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AMÉRICAS DO SUL

  Nome do Autor: Maria Antonieta Pereira
 

litera.bhz@terra.com.br

Palavras-chave: divergências - diferenças - negociações simbólicas

Minicurrículo: Graduada em  Letras (Português/Inglês e suas literaturas). Mestre em Literatura Brasileira. Doutora em  Literatura Comparada. Coordenadora da linha de pesquisa Arquivos latino-americanos", do GT de Literatura Comparada da Anpoll, com participação de pesquisadores de Brasil, Argentina, Bolívia e Chile. Secretária, pelo Brasil, do Projeto Margens/Márgenes (UFMG, UFBA, Universidades de Buenos Aires e Mar del Plata). Co-organizadora da coleção Vereda Brasil . Coordenadora do convênio UFMG/Universidade de Buenos Aires.

Resumo: Análise das relações culturais entre a América Portuguesa e a América Espanhola, as quais se pautam por distanciamentos, preconceitos, diálogos e aproximações.

Resumen: Análisis de las relaciones culturales entre América Portuguesa y América Española, las cuales se pautan por alejamientos, prejuicios, diálogos y  acercamientos.

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Quando se compara a cultura do Brasil à dos demais países do Cone Sul,  o dado diferencial que logo salta aos olhos é o da questão idiomática. Falar português ou espanhol constitui um traço identitário.  Esse fato, contudo, não consegue evitar a precariedade das fronteiras lingüísticas, tampouco garantir a unidade interna da América Hispânica ou da América Portuguesa, tendo-se em vista que a primeira se subdivide em várias nações e a segunda congrega uma grande diversidade cultural. Há outras razões engendrando as dessemelhanças: embora os colonizadores tenham partido do mesmo espaço geográfico, político e religioso - a Península Ibérica imperial e católica –, eles pertenciam a diferentes experiências históricas e a circunstâncias étnico-culturais distintas. É importante lembrar que uma das questões mais importantes na configuração do próprio Estado português foi sua longa luta de independência com relação ao império espanhol[1], fato que repercutiu decisivamente no  processo de constituição da América Latina. Apesar de ter na Espanha uma vizinha e aliada, Portugal também a enfrentava como adversária. Submetido ao poder do primeiro império na História sobre o qual o sol jamais se punha, Portugal teve que desenvolver uma política que freqüentemente oscilava entre a aquiescência e a rebelião. Um dos fatos característicos desse contexto foi a penetração,  em terras da América Espanhola, de portugueses traficantes de escravos, garimpeiros, exploradores e sertanejos, seguindo o curso do Rio Amazonas e de seus afluentes. A assinatura do tratado de Tordesilhas e seu posterior desrespeito indicam uma curiosa política de não-enfrentamento direto dos espanhóis, por parte dos portugueses, mas de sua neutralização por meio de estratégias típicas da guerra de simulação. No sul da América, na região do Rio da Prata, essa política, contudo, mostrou-se inoperante.
Tendo suas nascentes no Brasil, esse rio era considerado, pelos portugueses, como sua propriedade natural, o que os levou a fundar às suas margens, em 1680, a Colônia do Sacramento. Portugal tentava impedir a expansão do império espanhol em território brasileiro e ao mesmo tempo criava um posto avançado para sua própria ocupação do solo. Ameaçados, os portenhos imediatamente atacaram e destruíram Sacramento. Contudo, essa povoação configurou um pequeno núcleo populacional da futura República Oriental do Uruguai, cuja constituição também provocou disputas freqüentes entre as Américas Portuguesa e Espanhola, de que resultaram a anexação do Uruguai por D. João VI, sua invasão por Alvear e, finalmente, sua independência política a partir das lutas de Lavalleja, em 1825. Mais tarde, a região platina seria novamente convulsionada pela Guerra do Paraguai, o maior conflito armado da América do Sul. Os projetos expansionistas de Argentina, Brasil e Uruguai operaram com a ajuda financeira e logística da Inglaterra, a quem não interessava a concorrência da nascente industrialização paraguaia. Entre algumas conseqüências da luta desenvolvida no período de 1865 a 1870, além da derrota do Paraguai, estão a queda da monarquia brasileira, o avanço das idéias republicanas nos países da Tríplice Aliança e seu endividamento perante a Inglaterra. Na conturbada constituição do continente sul americano, podemos verificar, portanto, vários momentos de conflito dos quais participou ativamente a América Portuguesa, seja em aliança com seus vizinhos hispânicos, seja contra eles. 

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Contemporaneamente, à medida que esse passado bélico interfere nas relações entre as culturas nacionais, é preciso discuti-lo para expurgá-lo. 
Por outro lado, se a composição étnica  do continente sul americano baseia-se, fundamentalmente, na mesclagem indígeno-européia, outra importante diferença do Brasil com relação aos países vizinhos situa-se em sua grande população de descendência africana. A presença de um terceiro elemento - tão estrangeiro quanto o europeu, mas tão escravo quanto o índio - gerou a triangulação cultural necessária para a relativização dos padrões eurocêntricos. Penetrando no dia-a-dia do país, a África conquistou espaços em todos os territórios portugueses: camuflou deuses negros sob os santos católicos, transfigurou os costumes alimentares, propôs outra ética do corpo e da sexualidade, interferiu no idioma e na pragmática das leis cotidianas.  Assim,  construindo-se numa verdadeira guerra de linguagens, a nação teve que aprender a lidar com a categoria do estrangeiro dentro do próprio conceito de nacional, à medida que se forjou enquanto disputa violenta de culturas vindas de fora, de terras africanas e portuguesas, que ora se aliavam, ora se confrontavam com os elementos autóctones. Mais tarde, a nação foi reconfigurada pelos grandes contingentes de imigrantes europeus que buscavam “fazer a América”. 
Diferentemente da América Hispânica, cada etnia brasileira não guerreava apenas contra um único inimigo – europeu versus índio – já que havia sempre a possibilidade de enfrentar dois rivais ao mesmo tempo ou, pelo contrário, de fortalecer a própria posição, através da aliança com um deles. Além de, em nosso cotidiano, podermos comprovar essa desarmônica mesclagem, a História do Brasil também está repleta de acontecimentos em que as desavenças entre portugueses, índios e africanos resolviam-se por processos triangulares de combates, pactos e negociações. Essa situação, responsável pela ruína das oposições meramente duais, enriqueceu a perspectiva da nacionalidade com a abertura para a ocorrência de, no mínimo, três fatores em pauta, quaisquer que fossem as circunstâncias culturais em jogo. Tais fatos, provavelmente, devem ter interferido na configuração da auto-imagem dos brasileiros como sujeitos que tendem à negociação, aos acordos, à substituição do enfrentamento direto pela guerra de simulação, dando sempre “um jeitinho” nos problemas e uma torção na lei, para o bem e para o mal. 
De qualquer forma, convivendo com intensa mistura étnica e cultural, o país desenvolveu um olhar habituado à dessemelhança, ao desvio, à polifonia carnavalesca. Além disso, nosso clima tropical exige uma semi-nudez permanente, algo próximo dos hábitos indígenas e africanos e totalmente oposto aos padrões europeus. Esse corpo quase nu colabora para que, em níveis culturais mais amplos, ocorra aquilo que Bakhtin chamou de “contato familiar entre os homens” em que as hierarquias e os puritanismos europeus são atravessados pelo humor cotidiano, pelo riso carnavalesco, pelo toque do corpo do outro com as mãos e pelo beijo triplo que incomoda os estrangeiros. A complexidade dessa linguagem corporal, que tanto que nos distingue, colabora para tornar anacrônicas as dualidades público/privado, nacional/estrangeiro, eu/outro à medida que provoca sua transformação numa terceira categoria, sincrônica, contemporânea e dionisíaca.  

O modus vivendi da América Espanhola nem sempre dialoga com os costumes da  América Portuguesa. Participando do IV Encontro de Críticos de Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, realizado em agosto de 2000, em Santiago do Chile, pudemos observar a dificuldade de setores da América do Sul no sentido de compreender os hábitos culturais do Brasil, quando um professor universitário chileno, durante sua exposição em mesa-redonda, disse que “se pensamos em pornografia, lembramos do Rio de Janeiro”. Tal afirmativa foi acolhida, ao mesmo tempo, com riso e mal-estar, por um público predominantemente hispano-americano, composto pelas delegações de Argentina, Chile e Uruguai, mas onde também figuravam pesquisadores do Brasil. Esse fato não teria a menor importância, se não tivesse ocorrido num evento internacional cuja pretensão era avançar em discussões a respeito do tema “Reinvenções da América Latina: literatura e identidade”, razão pela qual se poderia pressupor que as questões identitárias deveriam ser abordadas de forma menos leviana. Posteriormente, em conversa com esse professor, não me foi apresentado nenhum argumento lógico, formal, científico ou mesmo do senso comum, que pudesse justificar  sua atitude. As palavras do professor expressavam nada mais que um pré-conceito - um pensamento anterior àquilo que costumamos desenvolver como pesquisadores acadêmicos – e que só merece aqui nosso comentário porque, na minha opinião, sintetiza maravilhosamente bem o espanto de uma América europeizada diante de uma América africana e indígena. O contato com a cultura hispânica da América do Sul revela como alguns de seus setores ainda vacilam entre o olhar censor do europeu - sobre  os hábitos e falares carnavalizados de um Brasil mestiço - e sua própria situação de mestiçagem camuflada. 

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Paradoxalmente, tal postura reforça todo um saber etnocêntrico que as teorias de importantes pensadores hispano-americanos tanto criticam. Agredidos pela irreverência de uma cultura híbrida, pela semi-nudez tribal que questiona os centramentos uniformizadores e por posições que praticam  conscientemente a antropofagia cultural, certos intelectuais do sul da América colaboram com aquilo que pretendem combater e acabam reivindicando uma normatização rígida do cotidiano que, bem sabemos, sempre oferece o terreno propício para a exclusão de gêneros, culturas, opções sexuais e religiosas. 
A dificuldade de dialogar com a diferença também ficou explicitada, no IV Encontro de Críticos da América do Sul, através da quase inexistência de estudos, por parte dos hispânicos, sobre literatura, teoria e crítica literárias do Brasil. Curiosamente, tal fato foi ressaltado também por um chileno, que alertava a América Espanhola sobre a necessidade de mudar sua política em relação à América Portuguesa. Para esse pesquisador, seria necessário criar o que ele chamou de “operación Brasil” – uma série de medidas visando à ampliação dos diálogos entre as Américas do Sul, que contemplasse desde a tradução e a edição  de obras da literatura brasileira no mercado hispano-americano até uma política conjunta de pesquisas acadêmicas na região do Cone Sul. De forma semelhante, a conhecida pesquisadora chilena Ana Pizarro ressaltou, durante todo o evento, a necessidade de se ouvir a voz da diferença brasileira no contexto sul americano. Pioneira de estudos dessa natureza, ao lado do brasileiro Antonio Candido e do uruguaio Ángel Rama, Ana Pizarro mais uma vez apontou o caminho das trocas culturais como aquele capaz de permitir relações produtivas para quaisquer nacionalidades, no cenário multicultural do terceiro milênio[2]
O fato de tais divergências terem emergido em Santiago do Chile não é gratuito – por se tratar do quarto encontro de pesquisadores do Cone Sul, essa reunião traduzia certo amadurecimento de determinadas posições. Tendo sediado o terceiro encontro e participado da organização do último, os pesquisadores brasileiros puderam acompanhar de perto um curioso processo do qual estavam dentro e fora, ao mesmo tempo. Da mesma forma, a adoção do ensino de língua espanhola no sistema educacional do Brasil, as traduções e publicações de obras ensaísticas e literárias de nossos vizinhos ou a fundação de entidades e associações que contemplam sua cultura, embora constituam um diálogo concreto com o mundo hispânico, nem sempre  nele desencadeiam atitudes similares. O resultado disso é que, embora o pensamento crítico brasileiro se aproprie de conceitos desenvolvidos no interior das culturas do Cone Sul, para pensar sobre si mesmo e sobre sua região, há dificuldades na construção de uma reciprocidade.
Justamente porque, em relações dessa natureza, espera-se uma contrapartida, a ausência de um movimento espontâneo de intercâmbios e de interesse mútuo revela as barreiras lingüístico-culturais que impedem nossos vizinhos de nos considerarem como interlocutores. Não se trata, evidentemente, de reivindicarmos uma reverência com relação à nossa cultura, mas de considerarmos que ela, como qualquer outra, merece a atenção devida àquele com quem se fala. Noutras palavras, um processo intercultural requer a audição do discurso do outro para que haja um alocamento dos sujeitos em universos lingüístico-ideológicos  que se cruzem e que propiciem uma sintaxe articuladora de diferenças. Saber o que diz o outro é, portanto, a condição básica do diálogo. E, para saber o que o outro diz, é preciso ouvi-lo, isto é, considerá-lo enquanto sujeito com demandas específicas, posturas próprias, falares distintos. Se tais dificuldades, por um lado, podem ser explicadas pelas históricas refregas entre Portugal e Espanha, das quais somos herdeiros diretos, por outro lado, nada justifica que essa situação permaneça, seja por acordos tácitos ou por espírito arrivista. Exatamente porque descendemos de uma cultura fálica, logocêntrica e colonialista é que podemos fazer sua crítica de forma radical, ou seja, a partir de uma auto-crítica que possa identificar e adulterar, em nós mesmos, as marcas do excluído e do excludente, permitindo-nos  recusar a situação de escravo sem desejar o papel de senhor. Libertados dos processos coloniais impostos pela Europa, corremos o risco de repeti-los indefinidamente entre nós mesmos, a não ser que tenhamos a paciência e a sapiência, como diria Machado de Assis em “A sereníssima República”[3], para construirmos novos espaços identitários, aceitando a emergência das diversidades de cada nação, território e região.
Somente assim é que o esforço de diálogo no Cone Sul poderá render bons frutos. Nesse caso, é preciso valorizar as iniciativas que têm sido empreendidas, da parte de brasileiros e hispano-americanos, no sentido de intensificar esses intercâmbios culturais. Um bom exemplo disso foi a edição consecutiva, no Brasil, de obras que estimulavam o diálogo entre textos de autores argentinos, uruguaios, chilenos e brasileiros. A primeira publicação, intitulada Palavras ao sul – seis escritores latino-americanos contemporâneos[4], constituiu-se como texto híbrido: além de ser composto de entrevistas, crônicas, contos e fragmentos de romances inéditos de autores da Argentina (Ricardo Piglia), do Brasil  (Rubem Fonseca e Sérgio Sant’Anna), do Chile (Alberto Fuguet) e do Uruguai (Tomás de Mattos e Rafael Courtoisie), também continha textos de ensaístas brasileiros. A segunda publicação, sob o título Literatura e estudos culturais [5] (PósLit/FALE/UFMG, 2000) reuniu os textos apresentados por argentinos, brasileiros e uruguaios no terceiro encontro de críticos latino-americanos, realizado na Universidade Federal de Minas Gerais, em 1988, com apoio de pesquisadores da Universidad de Buenos Aires e da Universidad de la República del Uruguay. Essa coletânea divulgou o resultado de vários debates em torno do tema “A literatura no âmbito dos estudos culturais”. No mesmo ano, sob patrocínio do Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários e do Núcleo de Estudos Latino-Americanos (Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais), foi publicada outra coletânea, intitulada Trocas culturais na América Latina[6], que congregava textos de pesquisadores de Argentina, Brasil, Chile, Uruguai e Estados Unidos,  abordando variados temas como traduções, exílios, fronteiras e diálogos.
Outra forma de fortalecer os intercâmbios é o projeto Margens/Márgenes. Idealizado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, da Universidade de Mar del Plata  e da Universidade de Buenos Aires, estimulado pela ação gregária dos escritores Ricardo Piglia e Silviano Santiago e com apoio da Rockefeller Foundation, o projeto tem conseguido intensificar o conhecimento mútuo das culturas argentina e brasileira. Realizando ações conjuntas em ambos os países - seminários, publicações e eventos – a pesquisa tem como objetivo central desenvolver o próprio conceito de margem, já explorado na produção crítico-literária de Piglia e Santiago[7].
Também importante no sentido de estimular os diálogos entre as Américas do Sul tem sido a edição da Coleção Vereda Brasil, cuja principal finalidade é divulgar a literatura brasileira no mercado argentino. Dirigida, conjuntamente, por pesquisadores da Universidade de Buenos Aires e da Universidade Federal de Minas Gerais e contando com o selo da Editora Corregidor, a coleção já traduziu e editou três obras, em 2001: Escritos antropófagos – Oswald de Andrade; Sátiras y otras maledicencias – Gregório de Matos; Vidas secas – Graciliano Ramos[8]. Todos esses textos são acompanhados de estudos críticos realizados por ensaístas e escritores, argentinos ou brasileiros. Em contrapartida, está em fase de elaboração um projeto similar no Brasil, cujo objetivo é editar obras de autores argentinos pouco conhecidos entre nós.

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Outro projeto bastante significativo concretizou-se na publicação de uma coletânea de ensaios brasileiros, intitulada Absurdo Brasil[9]. Dirigida pelas professoras Florencia Garramuño e Adriana Amante, da Universidade de Buenos Aires, a obra reúne ensaios de Flora Süssekind, Roberto Schwarz, Silviano Santiago, Antonio Candido, Roberto Ventura, Raúl Antelo, Heloisa Buarque de Hollanda, Ismail Xavier, Otília Arantes e Paulo Arantes. Embora o título da antologia tenha uma conotação negativa para olhos brasileiros, a obra ocupa um lugar pioneiro na divulgação de nosso pensamento crítico contemporâneo e, nesse sentido, contribui decisivamente para o aprofundamento dos diálogos na região.  Um trabalho semelhante vem sendo desenvolvido, no Brasil, por editoras universitárias, em que se destacam UFRJ,  USP,  UNESP e UFMG, e por editoras privadas, como a Iluminuras paulista e a L&PM gaúcha, que traduziram importantes peças ensaísticas e literárias da América Hispânica para a língua portuguesa.
Várias outras iniciativas têm sido desenvolvidas, de comum acordo, no sentido de intensificar as trocas culturais no Sul. Rapidamente, poderíamos citar o projeto de pesquisa  “ ‘Aldaz navegante – a recepção da obra de Guimarães Rosa no exterior ”, que foi idealizado em parceria com a PUCMinas e desenvolvido durante 2000/2001, sob a coordenação de professores da Faculdade de Letras da UFMG, mas totalmente apoiado na ativa colaboração de pesquisadores de Argentina, Chile, Uruguai e Estados Unidos [10], sem os quais a recolha e a análise de material crítico jamais poderia ter sido realizada.
Tais fatos indicam um crescimento sistemático e significativo das relações entre alguns setores das Américas do Sul, especialmente num momento em que o debate franco de nossas diferenças tem se mostrado útil no sentido de impedir que elas se transformem em divergências. Nesse contexto, é preciso lembrar também que o Brasil estará sempre em posição minoritária, se considerarmos que ele constitui a única nação de língua portuguesa e cultura fortemente  africanizada do Sul da América. Portanto, embora ocupe um terço do território continental, o país constitui uma curiosa minoria, formada por milhões de habitantes e cujas experiências identitárias potencialmente mais ricas – já que, em termos críticos, estão quase inexploradas [11] - situam-se além mar, mais na África que na Europa. Ao reivindicar um espaço de efetivas trocas culturais, os intelectuais brasileiros não pretendem abandonar sua condição de minoria nem camuflar sua diferença luso-africana. As perspectivas críticas que se abrem nesse tipo de relação intelectual destroem qualquer  projeto hegemônico, à medida que não pretendem estimular operações que sufoquem as diferenças e imponham falsos consensos. Ao invés de estabelecer propósitos grupais com base em critérios simplistas de  adição/subtração ou divisão/multiplicação, talvez pudéssemos operar com uma matemática menos clássica e mais próxima dos princípios fractais: algo que permitisse superar os tradicionais opostos excludentes e viabilizar construções teóricas em rede. Nesse processo coletivo, em que a interatividade desloca os lugares dos sujeitos e dos discursos, qualquer atitude autoritária se torna inoperante, venha ela de setores majoritários ou não. 
Para Ricardo Piglia, a solidão cultural do Brasil, no contexto sul americano, seria parcialmente responsável pela  abertura dos brasileiros em relação a seus vizinhos. Se assim for, o desejo de ruptura do isolamento tem obtido uma resposta cada vez mais interessante de certos intelectuais hispano-americanos, inclusive de escritores como o próprio Piglia ou de pesquisadoras como Pizarro, cujas obras despertam nos leitores das Américas Portuguesa e Espanhola o desejo de saber o que começa para além das fronteiras geográficas e culturais. Sem esse discurso, que relativiza o nacional ao inseri-lo no contexto da região,  nossas linguagens estariam muito mais distanciadas.  Justamente porque são muitas as Américas do Sul, a cada dia parece ser mais necessário compartilhar espaços em que se ouça o sussurro do outro e o balbucio do futuro.

 

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Notas

[1] A tentativa de unificação da Península Ibérica, sendo um velho sonho de Castela, conseguiu transformar o império português em uma espécie de complemento do império espanhol. Nesse rumo, foram celebrados  negócios conjuntos e casamentos entre famílias reais, além do enfrentamento de vários inimigos comuns (mouros, piratas, franceses e anglo-saxões). O propósito de castelhanizar Portugal gerou uma cultura peninsular bilíngüe e a perda de autonomia desse território frente à Espanha, após a derrota de D. Sebastião em Alcácer Quibir. De 1580 a 1640, governados pelos Felipes II, III e IV, os portugueses sofreram as conseqüências da política externa espanhola: ataques estrangeiros ao Brasil, às Índias Ocidentais, à costa ocidental africana e às rotas de navegação, além de arrivismo por parte da Holanda e da Inglaterra protestantes e perseguidas pela Inquisição espanhola. Nesse contexto, os próprios portugueses foram acossados pelo império espanhol, sob acusação de judaísmo, à medida que iam se estabelecendo em territórios de México, Peru e La Plata. Mesmo após a aclamação de D. João IV, Portugal ainda lutou contra a Espanha por 28 anos, até obter o reconhecimento de sua situação de Estado independente, já no governo de D. Pedro, em 1668.
[2]
Seria interessante refletir também sobre o papel da revista Mundo nuevo, editada por Emir Rodríguez Monegal, que discutiu a ficção brasileira, especialmente em seu sexto número, através de artigos dedicados a Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Nélida Piñon. 
[3]
ASSIS, M. de. Papéis avulsos.Rio de Janeiro/Belo Horizonte: Garnier, 1989.
[4]
PEREIRA, M. A., SANTOS, L. A. B.  Palavras ao sul – seis escritores latino-americanos contemporâneos.
Belo Horizonte: FALE/Autêntica, 1999.
[5]
PEREIRA, M. Estudos Literários/Nelam/FALE UFMG, 2000.
[6]
SANTOS, L. A. B., PEREIRA, M. A. (org.). Trocas culturais na América Latina. Belo Horizonte:  PósLit
em Letras: Estudos Literários/Nelam/FALE UFMG, 2000.
[7]
Em seu texto “Una propuesta para el próximo milénio”, Ricardo Piglia afirma que “Hay cierta ventaja, a veces, en no estar en el centro. Mirar las cosas desde un lugar levemente marginal.”   Silviano Santiago faz uma declaração semelhante: “Esse lugar, teoricamente, tem muitas vantagens (...)  nem todos os produtos periféricos são periféricos”. Cf., respectivamente, www.clarin.com.ar/diario/especiales/viva99 e a entrevista “Autodescontrução”, editada  em Belo Horizonte, no Suplemento Literário n. 53, nov. 1999.
[8]
LAERA, A., AGUILAR, G. (org.). Escritos antropófagos – Oswald de Andrade. Coleção Vereda Brasil,
v.1.  Buenos Aires: Corregidor, 2001.
AGUILAR,G., TERRANOVA, J. N. (org.). Sátiras y otras maledicencias – Gregório de Matos. Coleção Vereda Brasil,  v.2.  Buenos Aires: Corregidor, 2001.
GARRAMUÑO, F. (org.). Vidas secas – Graciliano Ramos. Coleção Vereda Brasil,  v.3.  Buenos Aires:
Corregidor, 2001.
[9]
AMANTE, A., GARRAMUÑO, F. Absurdo Brasil: polémicas en la cultura brasileña. Buenos Aires:Biblos, 2000.
[10]
Para maiores informações sobre essa pesquisa, v. PEREIRA, M. A. Leituras de Guimarães Rosa na Argentina. In: DUARTE, L. P., ALVES, M. T. A. (org.).Outras margens  - estudos da obra de Guimarães Rosa. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 173-189.
[11]
Citando Luís Felipe de Alencastro, Silviano Santiago propõe uma interessante reflexão sobre a cultura brasileira, pautada na existência de “um espaço aterritorial, um arquipélago lusófono composto dos enclaves da América portuguesa e das feitorias de Angola”. Cf. SANTIAGO, S. Artelatina (manifesto). Colóquio ABRALIC. Belo Horizonte: FALE/UFMG, ago. 2001. 

 
Sobre o autor:
nome: Maria Antonieta Pereira
E-mail: litera.bhz@terra.com.br
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Sobre o texto:
Texto inserido na revista Hispanista no 12
Informações bibliográficas:
PEREIRA, Maria Antonieta. Américas do Sul. In: Hispanista, n. 12. [Internet] http://www.hispanista.com.br/revista/artigo103.htm 
 

 

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