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A mulher mexicana na prosa de Gabriela Mistral |
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Nombre del Autor: Julio Aldinger Dalloz |
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Palabras clave: feminismo - prosa - intertextualidad |
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Minicurrículo: Máster en Teoría Literaria por la UFRJ. Doctor en Lengua Española y Literaturas Hispánicas por la USP. Profesor de Lengua y Literatura Espanhola de la Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Miembro de la Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro - APEERJ. |
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Resumo: O artigo ocupa-se da apreensão da atitude feminista que sustenta ideologicamente o texto "A la mujer mexicana", publicado em Croquis mexicanos, elaborando uma discussão sobre o corpo da mulher e sobre a maternidade. |
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Resumen: El artículo ocupase de la aprehensión de la actitud femenina que sostiene ideológicamente el texto "A la mujer mexicana", publicado en Croquis mexicanos, elaborando una discussión acerca del cuerpo de la mujer y de la maternidad. |
O conjunto de textos em prosa escritos por Mistral, durante as duas temporadas em que viveu no México (1922-1923 e 1948-1950) ou, então, quando se encontrava em outros lugares, cumprindo suas funções diplomáticas, foi enfeixado por Alfonso Calderón no volume intitulado Croquis Mexicanos, publicado em 1979, para que "el duradero del volumen" substituísse "el efímero y recluido del archivo". Em janeiro de 1923, Mistral lê A la mujer mexicana, no Congreso Mexicano del Niño, posteriormente publicado em El Mercurio (Santiago de Chile) e em Repertorio Americano (San José, Costa Rica) respectivamente em 18/02/1923 e 09/02/1923. - Sou mulher, escrevo/leio para mulheres - é o paradigma que impõe ao texto sua marca específica e opera um deslocamento: se, em Lecturas para mujeres, Mistral organizou um texto de leituras para mulheres, em A la mujer mexicana inicia uma série de textos que são leituras de mulheres. Os outros textos destas leituras são: Silueta de la india mexicana, Silueta de Sor Juana Inés de la Cruz e María Enriqueta y su último libro. Eis o primeiro segmento:
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Sua frase inicial e a final insuflam ao texto um sopro que poder-se-ia caracterizar como épico: o vocativo mujer mexicana, abertura do discurso, conecta-se com seu fecho: "tal vez estás meciendo al héroe de tu pueblo". Mistral aqui eleva o tema da maternidade, tão defendido por ela em Lecturas para mujeres, a um nível simbólico que condiz com a situação sócio-política caracterizadora do México daqueles anos: derrocada de um regime ditatorial e ascensão de um governo democrático autorizado por um longo processo revolucionário; une, então, na imagem da mulher/mãe que dá ao filho o peito, para alimentá-lo, os conceitos de família e pátria: "amamanta al niño em cuya carne y en cuyo espíritu se probará la raza latinoamericana". Esboça-se, então, desde a primeira frase, uma leitura do corpo da mulher, dando primazia ao seio feminino como símbolo de vida, fonte alimentadora que possibilita a junção de carne e espírito. Ademais, esta mulher apresenta-se envolta em sensualidade, opondo-se vivamente às esteriotipadas imagens elaboradas até então pela poesia ou prosa, ao retratarem a figura materna durante o aleitamento: "tu carne bien coloreada de soles, es rica", diz o texto e continua derrubando os esteriótipos: "la delicadeza de tus líneas tiene concentrada la energía y engaña con su fragilidad". A fragilidade, então, seria um artifício, uma possibilidade de defesa da mulher: pareço frágil, sou forte; sou delicada, concentro energia. "En su tremenda hora de peligro", esta força e energia forjarão uma estirpe de "organizadores, obreros y campesinos". O parágrafo final do 1º segmento enquadra a mulher no espaço físico, o do "corredor" de sua casa; tem-se aí outra ruptura, quanto ao lugar ocupado pela mulher/mãe, já que, embora o aleitamento do filho se faça no espaço privado - a casa - ela está sentada num "corredor", isto é, num local intermediário entre o público e o privado, entre o dentro e o fora, que não impede sua apreensão pelo outro, por Mistral: "tú estás sentada sencillamente en el corredor de tu casa y esa quietud y ese silencio parecen languidez"; como na Introdução a Lecturas para mujeres, a maternidade é apresentada como uma função ativa, de procriação e criação, que a diferencia daquela marcada pela passividade, exigida pelo sistema patriarcal. Outra parte do corpo da mulher/mãe é citada: os joelhos: "pero en verdad hay más potencia en tus rodillas tranquilas que en un ejército que pasa, porque tal vez estás meciendo al héroe de tu pueblo". Pode-se afirmar, num primeiro momento, que o texto que subjaz ao de Mistral, até aqui analisado, é o de uma série de pinturas européias, principalmente do século XVI e XVII, as quais se nomeiam como madonas. Intertextualizando essas pinturas, Mistral tece, com economia de significantes e com as mudanças necessárias ao projeto, a Madona dos anos 20 do México pós-revolucionário; pode-se, numa segunda etapa, transportar o procedimento intertextual do âmbito da pintura para o da escultura, declarando-se, então, que Mistral se permite entronizar, no espaço de seu texto literário, uma estátua sedente da mulher/mãe mexicana. |
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O segundo segmento é:
Seus dois parágrafos se iniciam por uma construção anafórico-temporal: cuando te [cuenten] (4º §), cuando te [digan] (5º §) enfatizando, através dos verbos sinonímicos (contar = dizer), o ponto de vista de Mistral a respeito da maternidade, num procedimento em que a possibilidade do rechaço das funções maternas por outras mulheres produza, na mãe mexicana, estátua sedente entronizada em seu texto, procedimento oposto: "para ti todavía la maternidad es el inefable gozo y la nobleza total" (4º §), "tú no has de renunciar a las mil noches de angustia junto a tu niño con fiebre, ni has de permitir que la boca de tu hijo beba la leche de un pecho mercenario" (5º §). Josefina Ludmer (1985) aponta um gesto que repercute em uma série de obras latino-americanas; trata-se do gesto fictício de dar a palavra a alguém marcado por alguma carência (sem terra, sem escritura), trata-se de trazer à luz sua linguagem particular; este gesto é função do letrado que disfarça e muda sua voz na ficção da transcrição, para propor ao débil e subalterno uma aliança contra o inimigo comum. Em A la mujer mexicana, não se efetua a mudança de voz do não-letrado, mas inegavelmente Mistral, em pacto candente com a mulher mexicana, faz reverberar como dela sua palavra/voz que denuncia o rechaço da maternidade, pedra de toque da atividade feminista mistraliana, elaborando, assim, uma aliança contra o inimigo (MISTRAL, 1995): |
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Sob a denúncia, pode-se ler a sagaz percepção que Mistral tem do momento histórico em que vive, quando se inicia a tentativa de adequar a imagem feminina às necessidades de uma sociedade que incipientemente se sustenta no consumo, na ideologia e na publicidade, tentando criar um modelo feminino que reúne as condições da mulher ideal para o sistema; a abrangência deste modelo parte dos traços físicos, engloba os aspectos psicológicos e os determinantes de sua vida afetiva, cultural, social e política, moldando-lhe as energias de maneira que sua conduta não seja assunto de decisão consciente, levando a mulher a acatar sem discussão as normas sociais emanadas de uma estrutura que pretende sua alienação (CODDOU, 1989). Todos os signos agrupados ao redor das "mujeres locas del siglo" têm sua negatividade transformada em positividade, no 4º segmento: "Da alegría a tu hijo, que la alegría se le hará rojez en la sangre y templadura en los músculos". Valendo-se, certamente, de sua experiência pedagógica, Mistral predica uma "receita" psicológica bastante simples: cantar, brincar e passear são atividades fundamentais na relação materno-filial. No 5º segmento, ventre e seio metonimicamente ressemantizam a mulher cuja virtude, segundo Mistral, tanto é religiosa quanto cívica:
O seio feminino é homólogo aos mananciais da terra; portanto do alimento primordial que dele flui, alimenta-se a raça mexicana. A pureza da mulher, requisito essencial, segundo Mistral, implica a grandeza do homem; a corrupção dela, sua pequenez. Subverte, então, o texto mistraliano os papéis que foram estipulados como sendo os de homens e mulheres, na vida social, operando uma inversão, a partir da positividade da pureza feminina, que torna o homem dependente da mulher. |
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O vigor épico, assinalado no 1º segmento, reaparece no 6º: a figura feminina é apreendida em consonância com uma natureza pródiga, que tem "los vientos más perfectos del mundo y cuaja el algodón de copos suave y deleitoso". A mãe mexicana é a aliada e a colaboradora desta terra: "por eso ella te baña de gracia en la luz de cada mañana". A essa mulher se requerem "los brazos que colecten los frutos y las manos que escarden los algodones". As imagens mistralianas desconstroem, assim, a convencional figura feminina, sentimentalizada, subjugada e trivializada. Uma das mais fortes opressões imposta à mulher pelo sistema patriarcal é, sem dúvida, a do seu silêncio. A fala da Maestra, através da qual falam as mulheres a que se dirige, questiona esta opressão: "Madre mexicana: reclama para tu hijo vigorosamente lo que la existencia debe a los seres que nacen sin que pidieran nacer". Como mãe mexicana, não deve acetar que um peito mercenário alimente seu filho (FRANCO, 1994), tampouco deve permitir que a reclamação do que lhe é imprescindível para uma vida digna parta de outra boca que não a sua. Em seqüência, a prodigalidade do pedir reparte-se em signos reveladores da experiência administrativo-pedagógica de Mistral ("escuela soleada y limpia"), assim como de sua amadurecida formação psicológica, que localiza a beleza e a diversão como fontes necessárias para a formação integral da criança ("los alegres parques", "las grandes fuentes artificiales", "las fiestas de las imágenes, en el libro y en el cinema educador"). Em nenhum momento o discurso mistraliano desamalgamou mãe e filho; da prodigalidade do pedir chega-se à rudeza do exigir: "exige colaborar en ciertas leyes; has que limpien de verguenza al hijo ilegítimo y no le hagan nacer paria y vivir paria en medio de los otros hijos felices..." (10º §). A legitimação do filho adulterino inclui-se entre os pontos da plataforma política das lutas das mulheres, nas primeiras décadas do século XX. Em coro, então, com as exigências formuladas pelas feministas (MISTRAL, 1995), Mistral exige ainda leis que criem o sistema de saúde infantil e pleiteia aquelas que regulamentem o trabalho das mulheres e das crianças nas fábricas (KIRKPATRICK, 1990). O discurso mistraliano, em um evidente gesto de reafirmação do caráter épico que atribui à mulher, intertextualiza Walt Whitman: "Yo os digo que no hay nada más grande que la madre de los hombres" (13º §). No parágrafo inicial do 8º segmento, Mistral reescreve sua genealogia: "Yo te amo, madre mexicana, hermana de la mía" (grifos nossos) e enumera duas prendas domésticas desta mãe: "bordas exquisitamente, tejes la estera color de miel". Bordar e tecer esteiras são inegavelmente atividades femininas, feitas, na maior parte das vezes, na reclusão do lar, ao contrário desse discurso que se bordou/se teceu na comunhão do espaço público e outorgou à mulher a invenção do futuro, privilégio masculino por excelência, dentro da ideologia patriarcal. Mistral encerra o parágrafo com uma imagem da mulher mexicana reatualizadora de sua atividade de mãe nutriente: "cruzas el campo... para llevar el sustento del hijo o del esposo que riegan los maizales". |
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Eis o último parágrafo do oitavo movimento: Dios les fijó la dura suerte de que el avance enemigo, la marejada del norte, rompa sobre sus pechos. Por eso cuando tus hijos luchan o cantan, los rostros del sur se vuelven hacia acá, llenos de esperanza y de inquietud a la par. A voz da "Maestra", autorizada por outras mulheres a falar em seus nomes, possuidora do poder interpretativo, centraliza agora a mãe mexicana como aquela que experimentará "la marejada del norte" sobre seu peito. Esta metáfora refere-se aos Estados Unidos da América e explode no texto mistraliano como uma marca de sua linha antiimperialista. Gabriela Mora (1991) relembra sua enorme curiosidade intelectual e sua atividade diplomática, como elementos que incapacitariam a formação da imagem tradicional de uma Mistral a-histórica e mística que, não obstante, se construiu. Já em 1922, Mistral advertia, em seu recado El grito (compilado por Mário Cespedes em Recados para América, p.11-12), sobre o perigo que constituía, para a América Hispânica, a específica intervenção do Estados Unidos. Neste texto, dirige-se a chilena ao maestro: "enseña en tu clase el sueño de Bolívar, el vidente primero". Roga ao jornalista a imparcialidade de opinião: "No desprestigies a Nicaragua, para exaltar a Cuba; ni a Cuba para exaltar la Argentina". Pede ao artista: "Cree en nuestra sensibilidad que puede vibrar como la otra, manar como la otra la gota cristalina y breve de la obra perfecta". E ao industrial:
Esboça uma pergunta: "¿Odio al yankee?" |
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E a responde:
O texto mistraliano de 1922 - El grito - posto em diálogo com o de 1923 - A la mujer mexicana - baliza o caminho textual para a enunciação elaborar a metáfora "marejada del norte". Pode-se, ainda, cotejá-los com o discurso histórico, por exemplo, o de Halperin Donghi (1976), cuja análise contextualiza a invasão do território mexicano de Vera Cruz, em que se localizavam as reservas petrolíferas de Tampico, pelas forças norte-americanas do governo do presidente Wilson, em inícios de 1914, como uma maneira de pressionar a queda do governo mexicano do presidente Huerta. A voz da Maestra, projetada no espaço público da confraternização e da irmandade, voz que construiu a pós-revolucionária Madona mexicana, em moldes grandiosos, pelo vigor e mensagem, como o da pintura mural de Rivera, Orozco e Siqueiros, encerra seu discurso, reelaborando a imagem inicial feminina, cuja metonímia, ensejada em rodillas, é possibilidade de sustentação da raça latina, pois é locus tranqüilo para acalentar o filho; é possibilidade de articular-se e pôr-se de pé, nunca possibilidade de dobrar-se servilmente a "la marejada del norte". Finaliza Mistral: "Mujer mexicana: en tus rodillas se mece la raza latina y no hay destino más grande y tremendo que el tuyo en esta hora". O paradígma "sou mulher e escrevo para mulheres" que sustenta toda a argumentação da prosa mistraliana, seja no seu ensaio introdutório a Lecturas para mujeres, seja em A la mujer mexicana de Croquis mexicanos não constitui tautologia, mas demonstra a aguda percepção crítica que Mistral tem do que é ser mulher e do que é escrever para mulheres, no tempo em que viveu. Sua formação pedagógica, feita praticamente à revelia das instituições oficiais, obrigou-a a queimar etapas, tornando-a consciente do seu objetivo, milimetricamente traçado, constituindo-se em um sólido exemplo de mulher que se fez por si própria, introjetando, então, neste laborioso e às vezes violento esforço vital, o sofrimento e os questionamentos de outras mulheres, só possível porque Mistral sobretudo acreditava em si mesma. |
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Sua profunda crença na mulher levou-a a elaborar uma práxis feminista em que a mulher e a maternidade se situam como forças basilares do seu pensamento. Mistral não consegue dissociar a mulher e a maternidade, como fazem as feministas que lhe são contemporâneas, para quem a maternidade e tudo que a cerca representa a opressão do sistema patriarcal. Demonstra Mistral sólido conhecimento da época em que viveu, sob seus aspectos políticos, econômicos e sociais, podendo, então, situar a mulher latino-americana no contexto exato dos países em que elas vivem, bastante diferente daquele em que se situam as mulheres anglo-saxãs, por exemplo. Mistral sabe que o feminismo é uma política de luta da mulher em nome da mulher, mas se esquiva de qualquer atitude mais violenta cuja repercussão sobre a própria mulher viesse a causar-lhe mais sofrimento, opondo-se bastante acremente às feministas de molde anglo-saxão. A preparação da mulher para a maternidade e seu centramento na esfera do lar não constituem, dentro do proejto mistraliano, um reforço da opressão patriarcal, pois, devidamente preparada, a mulher está apta a dedicar ao filho uma criação de caráter intelectual, opondo-se àquela que se tecia unicamente nos modelos gastos da afetividade materna, idealizada pelo sistema patriarcal cuja premissa básica é a de que a mulher não pensa. Assim sendo, a maternidade para Mistral, mais que um fenômeno natural, é um projeto de articulação política onde a mulher exerce o papel central de formadora de cidadãos; de outro lado, constitui-se como exercício diário de luta, já que necessita proteger os filhos e garantir-lhes educação e alimento. Ser mulher, escrever para mulheres conforma uma atitude extremamente vanguardista em termos de produtividade literária, pois, pela primeira vez, a mulher ocupa a posição de tema e sujeito no ensaio hispano-americano: uma mulher escreve para mulheres e a mulher é o centro de suas indagações e perplexidades. |
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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