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    Quando se compara a cultura do Brasil à dos demais países do Cone Sul, 
    o dado diferencial que logo salta aos olhos é o da questão idiomática.
    Falar português ou espanhol constitui um traço identitário. 
    Esse fato, contudo, não consegue evitar a precariedade das
    fronteiras lingüísticas, tampouco garantir a unidade interna da América
    Hispânica ou da América Portuguesa, tendo-se em vista que a primeira se
    subdivide em várias nações e a segunda congrega uma grande diversidade
    cultural. Há outras razões engendrando as dessemelhanças: embora os
    colonizadores tenham partido do mesmo espaço geográfico, político e
    religioso - a Península Ibérica imperial e católica –, eles pertenciam
    a diferentes experiências históricas e a circunstâncias étnico-culturais
    distintas. É importante lembrar que uma das questões mais importantes na
    configuração do próprio Estado português foi sua longa luta de independência
    com relação ao império espanhol, fato que repercutiu
    decisivamente no  processo de
    constituição da América Latina. Apesar de ter na Espanha uma vizinha e
    aliada, Portugal também a enfrentava como adversária. Submetido ao poder
    do primeiro império na História sobre o qual o sol jamais se punha,
    Portugal teve que desenvolver uma política que freqüentemente oscilava
    entre a aquiescência e a rebelião. Um dos fatos característicos desse
    contexto foi a penetração,  em
    terras da América Espanhola, de portugueses traficantes de escravos,
    garimpeiros, exploradores e sertanejos, seguindo o curso do Rio Amazonas e
    de seus afluentes. A assinatura do tratado de Tordesilhas e seu posterior
    desrespeito indicam uma curiosa política de não-enfrentamento direto dos
    espanhóis, por parte dos portugueses, mas de sua neutralização por meio
    de estratégias típicas da guerra de simulação. No sul da América, na
    região do Rio da Prata, essa política, contudo, mostrou-se inoperante. 
    Tendo suas nascentes no Brasil, esse rio era considerado, pelos portugueses,
    como sua propriedade natural, o que os levou a fundar às suas margens, em
    1680, a Colônia do Sacramento. Portugal tentava impedir a expansão do império
    espanhol em território brasileiro e ao mesmo tempo criava um posto avançado
    para sua própria ocupação do solo. Ameaçados, os portenhos imediatamente
    atacaram e destruíram Sacramento. Contudo, essa povoação configurou um
    pequeno núcleo populacional da futura República Oriental do Uruguai, cuja
    constituição também provocou disputas freqüentes entre as Américas
    Portuguesa e Espanhola, de que resultaram a anexação do Uruguai por D. João
    VI, sua invasão por Alvear e, finalmente, sua independência política a
    partir das lutas de Lavalleja, em 1825. Mais tarde, a região platina seria
    novamente convulsionada pela Guerra do Paraguai, o maior conflito armado da
    América do Sul. Os projetos expansionistas de Argentina, Brasil e Uruguai
    operaram com a ajuda financeira e logística da Inglaterra, a quem não
    interessava a concorrência da nascente industrialização paraguaia. Entre
    algumas conseqüências da luta desenvolvida no período de 1865 a 1870, além
    da derrota do Paraguai, estão a queda da monarquia brasileira, o avanço
    das idéias republicanas nos países da Tríplice Aliança e seu
    endividamento perante a Inglaterra. Na conturbada constituição do
    continente sul americano, podemos verificar, portanto, vários momentos de
    conflito dos quais participou ativamente a América Portuguesa, seja em
    aliança com seus vizinhos hispânicos, seja contra eles.  
     
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     Contemporaneamente,
    à medida que esse passado bélico interfere nas relações entre as
    culturas nacionais, é preciso discuti-lo para expurgá-lo.  
    Por outro lado, se a composição étnica 
    do continente sul americano baseia-se, fundamentalmente, na mesclagem
    indígeno-européia, outra importante diferença do Brasil com relação aos
    países vizinhos situa-se em sua grande população de descendência
    africana. A presença de um terceiro elemento - tão estrangeiro quanto o
    europeu, mas tão escravo quanto o índio - gerou a triangulação cultural
    necessária para a relativização dos padrões eurocêntricos. Penetrando
    no dia-a-dia do país, a África conquistou espaços em todos os territórios
    portugueses: camuflou deuses negros sob os santos católicos, transfigurou
    os costumes alimentares, propôs outra ética do corpo e da sexualidade,
    interferiu no idioma e na pragmática das leis cotidianas. 
    Assim,  construindo-se
    numa verdadeira guerra de linguagens, a nação teve que aprender a lidar
    com a categoria do estrangeiro dentro do próprio conceito de nacional, à
    medida que se forjou enquanto disputa violenta de culturas vindas de fora,
    de terras africanas e portuguesas, que ora se aliavam, ora se confrontavam
    com os elementos autóctones. Mais tarde, a nação foi reconfigurada pelos
    grandes contingentes de imigrantes europeus que buscavam “fazer a América”.  
    Diferentemente da América Hispânica, cada etnia brasileira não guerreava
    apenas contra um único inimigo – europeu versus índio – já que
    havia sempre a possibilidade de enfrentar dois rivais ao mesmo tempo ou,
    pelo contrário, de fortalecer a própria posição, através da aliança
    com um deles. Além de, em nosso cotidiano, podermos comprovar essa desarmônica
    mesclagem, a História do Brasil também está repleta de acontecimentos em
    que as desavenças entre portugueses, índios e africanos resolviam-se por
    processos triangulares de combates, pactos e negociações. Essa situação,
    responsável pela ruína das oposições meramente duais, enriqueceu a
    perspectiva da nacionalidade com a abertura para a ocorrência de, no mínimo,
    três fatores em pauta, quaisquer que fossem as circunstâncias culturais em
    jogo. Tais fatos, provavelmente, devem ter interferido na configuração da
    auto-imagem dos brasileiros como sujeitos que tendem à negociação, aos
    acordos, à substituição do enfrentamento direto pela guerra de simulação,
    dando sempre “um jeitinho” nos problemas e uma torção na lei, para o
    bem e para o mal.  
    De qualquer forma, convivendo com intensa mistura étnica e cultural, o país
    desenvolveu um olhar habituado à dessemelhança, ao desvio, à polifonia
    carnavalesca. Além disso, nosso clima tropical exige uma semi-nudez
    permanente, algo próximo dos hábitos indígenas e africanos e totalmente
    oposto aos padrões europeus. Esse corpo quase nu colabora para que, em níveis
    culturais mais amplos, ocorra aquilo que Bakhtin chamou de “contato
    familiar entre os homens” em que as hierarquias e os puritanismos europeus
    são atravessados pelo humor cotidiano, pelo riso carnavalesco, pelo toque
    do corpo do outro com as mãos e pelo beijo triplo que incomoda os
    estrangeiros. A complexidade dessa linguagem corporal, que tanto que nos
    distingue, colabora para tornar anacrônicas as dualidades público/privado,
    nacional/estrangeiro, eu/outro à medida que provoca sua transformação
    numa terceira categoria, sincrônica, contemporânea e dionisíaca.   
    O modus vivendi da América Espanhola nem sempre dialoga com os
    costumes da  América
    Portuguesa. Participando do IV Encontro de Críticos de Argentina, Brasil,
    Chile e Uruguai, realizado em agosto de 2000, em Santiago do Chile, pudemos
    observar a dificuldade de setores da América do Sul no sentido de
    compreender os hábitos culturais do Brasil, quando um professor universitário
    chileno, durante sua exposição em mesa-redonda, disse que “se pensamos
    em pornografia, lembramos do Rio de Janeiro”. Tal afirmativa foi acolhida,
    ao mesmo tempo, com riso e mal-estar, por um público predominantemente
    hispano-americano, composto pelas delegações de Argentina, Chile e
    Uruguai, mas onde também figuravam pesquisadores do Brasil. Esse fato não
    teria a menor importância, se não tivesse ocorrido num evento
    internacional cuja pretensão era avançar em discussões a respeito do tema
    “Reinvenções da América Latina: literatura e identidade”, razão pela
    qual se poderia pressupor que as questões identitárias deveriam ser
    abordadas de forma menos leviana. Posteriormente, em conversa com esse
    professor, não me foi apresentado nenhum argumento lógico, formal, científico
    ou mesmo do senso comum, que pudesse justificar 
    sua atitude. As palavras do professor expressavam nada mais que um pré-conceito
    - um pensamento anterior àquilo que costumamos desenvolver como
    pesquisadores acadêmicos – e que só merece aqui nosso comentário
    porque, na minha opinião, sintetiza maravilhosamente bem o espanto de uma
    América europeizada diante de uma América africana e indígena. O contato
    com a cultura hispânica da América do Sul revela como alguns de seus
    setores ainda vacilam entre o olhar censor do europeu - sobre 
    os hábitos e falares carnavalizados de um Brasil mestiço - e sua própria
    situação de mestiçagem camuflada.  
     
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     Paradoxalmente,
    tal postura reforça todo um saber etnocêntrico que as teorias de
    importantes pensadores hispano-americanos tanto criticam. Agredidos pela
    irreverência de uma cultura híbrida, pela semi-nudez tribal que questiona
    os centramentos uniformizadores e por posições que praticam 
    conscientemente a antropofagia cultural, certos intelectuais do sul
    da América colaboram com aquilo que pretendem combater e acabam
    reivindicando uma normatização rígida do cotidiano que, bem sabemos,
    sempre oferece o terreno propício para a exclusão de gêneros, culturas,
    opções sexuais e religiosas.  
    A dificuldade de dialogar com a diferença também ficou explicitada, no IV
    Encontro de Críticos da América do Sul, através da quase inexistência de
    estudos, por parte dos hispânicos, sobre literatura, teoria e crítica
    literárias do Brasil. Curiosamente, tal fato foi ressaltado também por um
    chileno, que alertava a América Espanhola sobre a necessidade de mudar sua
    política em relação à América Portuguesa. Para esse pesquisador, seria
    necessário criar o que ele chamou de “operación Brasil” – uma série
    de medidas visando à ampliação dos diálogos entre as Américas do Sul,
    que contemplasse desde a tradução e a edição 
    de obras da literatura brasileira no mercado hispano-americano até
    uma política conjunta de pesquisas acadêmicas na região do Cone Sul. De
    forma semelhante, a conhecida pesquisadora chilena Ana Pizarro ressaltou,
    durante todo o evento, a necessidade de se ouvir a voz da diferença
    brasileira no contexto sul americano. Pioneira de estudos dessa natureza, ao
    lado do brasileiro Antonio Candido e do uruguaio Ángel Rama, Ana Pizarro
    mais uma vez apontou o caminho das trocas culturais como aquele capaz de
    permitir relações produtivas para quaisquer nacionalidades, no cenário
    multicultural do terceiro milênio.  
    O fato de tais divergências terem emergido em Santiago do Chile não é
    gratuito – por se tratar do quarto encontro de pesquisadores do Cone Sul,
    essa reunião traduzia certo amadurecimento de determinadas posições.
    Tendo sediado o terceiro encontro e participado da organização do último,
    os pesquisadores brasileiros puderam acompanhar de perto um curioso processo
    do qual estavam dentro e fora, ao mesmo tempo. Da mesma forma, a adoção do
    ensino de língua espanhola no sistema educacional do Brasil, as traduções
    e publicações de obras ensaísticas e literárias de nossos vizinhos ou a
    fundação de entidades e associações que contemplam sua cultura, embora
    constituam um diálogo concreto com o mundo hispânico, nem sempre 
    nele desencadeiam atitudes similares. O resultado disso é que,
    embora o pensamento crítico brasileiro se aproprie de conceitos
    desenvolvidos no interior das culturas do Cone Sul, para pensar sobre si
    mesmo e sobre sua região, há dificuldades na construção de uma
    reciprocidade. 
    Justamente porque, em relações dessa natureza, espera-se uma
    contrapartida, a ausência de um movimento espontâneo de intercâmbios e de
    interesse mútuo revela as barreiras lingüístico-culturais que impedem
    nossos vizinhos de nos considerarem como interlocutores. Não se trata,
    evidentemente, de reivindicarmos uma reverência com relação à nossa
    cultura, mas de considerarmos que ela, como qualquer outra, merece a atenção
    devida àquele com quem se fala. Noutras palavras, um processo intercultural
    requer a audição do discurso do outro para que haja um alocamento dos
    sujeitos em universos lingüístico-ideológicos  que se cruzem e que propiciem uma sintaxe articuladora de
    diferenças. Saber o que diz o outro é, portanto, a condição básica do
    diálogo. E, para saber o que o outro diz, é preciso ouvi-lo, isto é,
    considerá-lo enquanto sujeito com demandas específicas, posturas próprias,
    falares distintos. Se tais dificuldades, por um lado, podem ser explicadas
    pelas históricas refregas entre Portugal e Espanha, das quais somos
    herdeiros diretos, por outro lado, nada justifica que essa situação
    permaneça, seja por acordos tácitos ou por espírito arrivista. Exatamente
    porque descendemos de uma cultura fálica, logocêntrica e colonialista é
    que podemos fazer sua crítica de forma radical, ou seja, a partir de uma
    auto-crítica que possa identificar e adulterar, em nós mesmos, as marcas
    do excluído e do excludente, permitindo-nos 
    recusar a situação de escravo sem desejar o papel de senhor.
    Libertados dos processos coloniais impostos pela Europa, corremos o risco de
    repeti-los indefinidamente entre nós mesmos, a não ser que tenhamos a paciência
    e a sapiência, como diria Machado de Assis em “A sereníssima República”,
    para construirmos novos espaços identitários, aceitando a emergência das
    diversidades de cada nação, território e região. 
    Somente assim é que o esforço de diálogo no Cone Sul poderá render bons
    frutos. Nesse caso, é preciso valorizar as iniciativas que têm sido
    empreendidas, da parte de brasileiros e hispano-americanos, no sentido de
    intensificar esses intercâmbios culturais. Um bom exemplo disso foi a edição
    consecutiva, no Brasil, de obras que estimulavam o diálogo entre textos de
    autores argentinos, uruguaios, chilenos e brasileiros. A primeira publicação,
    intitulada Palavras ao sul – seis escritores latino-americanos
    contemporâneos,
    constituiu-se como texto híbrido: além de ser composto de entrevistas, crônicas,
    contos e fragmentos de romances inéditos de autores da Argentina (Ricardo
    Piglia), do Brasil  (Rubem
    Fonseca e Sérgio Sant’Anna), do Chile (Alberto Fuguet) e do Uruguai (Tomás
    de Mattos e Rafael Courtoisie), também continha textos de ensaístas
    brasileiros. A segunda publicação, sob o título Literatura e estudos
    culturais 
    (PósLit/FALE/UFMG, 2000) reuniu os textos apresentados por argentinos,
    brasileiros e uruguaios no terceiro encontro de críticos latino-americanos,
    realizado na Universidade Federal de Minas Gerais, em 1988, com apoio de
    pesquisadores da Universidad de Buenos Aires e da Universidad de la República
    del Uruguay. Essa coletânea divulgou o resultado de vários debates em
    torno do tema “A literatura no âmbito dos estudos culturais”. No
    mesmo ano, sob patrocínio do Programa de Pós-Graduação em Letras:
    Estudos Literários e do Núcleo de Estudos Latino-Americanos (Faculdade de
    Letras, Universidade Federal de Minas Gerais), foi publicada outra coletânea,
    intitulada Trocas culturais na América Latina, que congregava textos
    de pesquisadores de Argentina, Brasil, Chile, Uruguai e Estados Unidos, 
    abordando variados temas como traduções, exílios, fronteiras e diálogos. 
    Outra
    forma de fortalecer os intercâmbios é o projeto Margens/Márgenes.
    Idealizado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, da
    Universidade de Mar del Plata  e
    da Universidade de Buenos Aires, estimulado pela ação gregária dos
    escritores Ricardo Piglia e Silviano Santiago e com apoio da Rockefeller
    Foundation, o projeto tem conseguido intensificar o conhecimento mútuo das
    culturas argentina e brasileira. Realizando ações conjuntas em ambos os países
    - seminários, publicações e eventos – a pesquisa tem como objetivo
    central desenvolver o próprio conceito de margem, já explorado na
    produção crítico-literária de Piglia e Santiago. 
    Também importante no sentido de estimular os diálogos entre as Américas
    do Sul tem sido a edição da Coleção Vereda Brasil, cuja principal
    finalidade é divulgar a literatura brasileira no mercado argentino.
    Dirigida, conjuntamente, por pesquisadores da Universidade de Buenos Aires e
    da Universidade Federal de Minas Gerais e contando com o selo da Editora
    Corregidor, a coleção já traduziu e editou três obras, em 2001:
    Escritos antropófagos – Oswald de Andrade; Sátiras y otras
    maledicencias – Gregório de Matos; Vidas secas – Graciliano Ramos.
    Todos esses textos são acompanhados de estudos críticos realizados por
    ensaístas e escritores, argentinos ou brasileiros. Em contrapartida, está
    em fase de elaboração um projeto similar no Brasil, cujo objetivo é
    editar obras de autores argentinos pouco conhecidos entre nós. 
     
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     Outro
    projeto bastante significativo concretizou-se na publicação de uma coletânea
    de ensaios brasileiros, intitulada Absurdo Brasil.
    Dirigida pelas professoras Florencia Garramuño e Adriana Amante, da
    Universidade de Buenos Aires, a obra reúne ensaios de Flora Süssekind,
    Roberto Schwarz, Silviano Santiago, Antonio Candido, Roberto Ventura, Raúl
    Antelo, Heloisa Buarque de Hollanda, Ismail Xavier, Otília Arantes e Paulo
    Arantes. Embora o título da antologia tenha uma conotação negativa para
    olhos brasileiros, a obra ocupa um lugar pioneiro na divulgação de nosso
    pensamento crítico contemporâneo e, nesse sentido, contribui decisivamente
    para o aprofundamento dos diálogos na região. 
    Um trabalho semelhante vem sendo desenvolvido, no Brasil, por
    editoras universitárias, em que se destacam UFRJ, 
    USP,  UNESP e UFMG, e por
    editoras privadas, como a Iluminuras paulista e a L&PM gaúcha, que
    traduziram importantes peças ensaísticas e literárias da América Hispânica
    para a língua portuguesa. 
    Várias outras iniciativas têm sido desenvolvidas, de comum acordo, no
    sentido de intensificar as trocas culturais no Sul. Rapidamente, poderíamos
    citar o projeto de pesquisa  “
    ‘Aldaz navegante – a recepção da obra de Guimarães Rosa no
    exterior ”, que foi idealizado em parceria com a PUCMinas e desenvolvido
    durante 2000/2001, sob a coordenação de professores da Faculdade de Letras
    da UFMG, mas totalmente apoiado na ativa colaboração de pesquisadores de
    Argentina, Chile, Uruguai e Estados Unidos ,
    sem os quais a recolha e a análise de material crítico jamais poderia ter
    sido realizada. 
    Tais fatos indicam um crescimento sistemático e significativo das relações
    entre alguns setores das Américas do Sul, especialmente num momento em que
    o debate franco de nossas diferenças tem se mostrado útil no sentido de
    impedir que elas se transformem em divergências. Nesse contexto, é preciso
    lembrar também que o Brasil estará sempre em posição minoritária, se
    considerarmos que ele constitui a única nação de língua portuguesa e
    cultura fortemente  africanizada
    do Sul da América. Portanto, embora ocupe um terço do território
    continental, o país constitui uma curiosa minoria, formada por milhões de
    habitantes e cujas experiências identitárias potencialmente mais ricas –
    já que, em termos críticos, estão quase inexploradas 
    - situam-se além mar, mais na África que na Europa. Ao reivindicar um espaço
    de efetivas trocas culturais, os intelectuais brasileiros não pretendem
    abandonar sua condição de minoria nem camuflar sua diferença
    luso-africana. As perspectivas críticas que se abrem nesse tipo de relação
    intelectual destroem qualquer  projeto
    hegemônico, à medida que não pretendem estimular operações que sufoquem
    as diferenças e imponham falsos consensos. Ao invés de estabelecer propósitos
    grupais com base em critérios simplistas de 
    adição/subtração ou divisão/multiplicação, talvez pudéssemos
    operar com uma matemática menos clássica e mais próxima dos princípios
    fractais: algo que permitisse superar os tradicionais opostos excludentes e
    viabilizar construções teóricas em rede. Nesse processo coletivo, em que
    a interatividade desloca os lugares dos sujeitos e dos discursos, qualquer
    atitude autoritária se torna inoperante, venha ela de setores majoritários
    ou não.  
    Para
    Ricardo Piglia, a solidão cultural do Brasil, no contexto sul americano,
    seria parcialmente responsável pela  abertura
    dos brasileiros em relação a seus vizinhos. Se assim for, o desejo de
    ruptura do isolamento tem obtido uma resposta cada vez mais interessante de
    certos intelectuais hispano-americanos, inclusive de escritores como o próprio
    Piglia ou de pesquisadoras como Pizarro, cujas obras despertam nos leitores
    das Américas Portuguesa e Espanhola o desejo de saber o que começa para além
    das fronteiras geográficas e culturais. Sem esse discurso, que relativiza o
    nacional ao inseri-lo no contexto da região, 
    nossas linguagens estariam muito mais distanciadas. 
    Justamente porque são muitas as Américas do Sul, a cada dia parece
    ser mais necessário compartilhar espaços em que se ouça o sussurro do
    outro e o balbucio do futuro. 
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     Notas 
    
    A tentativa de unificação da Península Ibérica, sendo um velho sonho de
    Castela, conseguiu transformar o império português em uma espécie de
    complemento do império espanhol. Nesse rumo, foram celebrados 
    negócios conjuntos e casamentos entre famílias reais, além do
    enfrentamento de vários inimigos comuns (mouros, piratas, franceses e
    anglo-saxões). O propósito de castelhanizar Portugal gerou uma cultura
    peninsular bilíngüe e a perda de autonomia desse território frente à
    Espanha, após a derrota de D. Sebastião em Alcácer Quibir. De 1580 a
    1640, governados pelos Felipes II, III e IV, os portugueses sofreram as
    conseqüências da política externa espanhola: ataques estrangeiros ao
    Brasil, às Índias Ocidentais, à costa ocidental africana e às rotas de
    navegação, além de arrivismo por parte da Holanda e da Inglaterra
    protestantes e perseguidas pela Inquisição espanhola. Nesse contexto, os
    próprios portugueses foram acossados pelo império espanhol, sob acusação
    de judaísmo, à medida que iam se estabelecendo em territórios de México,
    Peru e La Plata. Mesmo após a aclamação de D. João IV, Portugal ainda
    lutou contra a Espanha por 28 anos, até obter o reconhecimento de sua situação
    de Estado independente, já no governo de D. Pedro, em 1668. Seria interessante refletir também sobre o papel da revista Mundo
    nuevo, editada por Emir Rodríguez Monegal, que discutiu a ficção
    brasileira, especialmente em seu sexto número, através de artigos
    dedicados a Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Nélida Piñon.  ASSIS, M. de. Papéis avulsos.Rio de Janeiro/Belo
    Horizonte: Garnier, 1989. PEREIRA, M. A., SANTOS, L. A. B. 
    Palavras ao sul – seis escritores latino-americanos contemporâneos.
    Belo Horizonte:
    FALE/Autêntica, 1999. PEREIRA, M. Estudos Literários/Nelam/FALE UFMG, 2000. SANTOS, L. A. B., PEREIRA, M. A. (org.). Trocas culturais
    na América Latina. Belo Horizonte: 
    PósLit
    em Letras:
    Estudos Literários/Nelam/FALE UFMG, 2000. Em seu texto “Una propuesta para el próximo milénio”,
    Ricardo Piglia afirma que “Hay cierta ventaja, a veces,
    en no estar en el centro. Mirar las cosas desde un lugar levemente
    marginal.”   Silviano
    Santiago faz uma declaração semelhante: “Esse lugar, teoricamente, tem
    muitas vantagens (...)  nem
    todos os produtos periféricos são periféricos”. Cf., respectivamente, www.clarin.com.ar/diario/especiales/viva99
    e a entrevista “Autodescontrução”, editada 
    em Belo Horizonte, no Suplemento Literário n. 53, nov. 1999. LAERA, A., AGUILAR, G. (org.). Escritos antropófagos –
    Oswald de Andrade. Coleção Vereda Brasil,
    v.1. 
    Buenos Aires: Corregidor, 2001. 
    AGUILAR,G., TERRANOVA, J. N. (org.). Sátiras
    y otras maledicencias – Gregório de Matos.
    Coleção Vereda Brasil,  v.2.  Buenos Aires: Corregidor, 2001. 
    GARRAMUÑO, F. (org.). Vidas secas – Graciliano Ramos. Coleção
    Vereda Brasil,  v.3. 
    Buenos Aires:
    Corregidor, 2001. AMANTE, A., GARRAMUÑO, F. Absurdo Brasil: polémicas en
    la cultura brasileña. Buenos Aires:Biblos, 2000. Para maiores informações sobre essa pesquisa, v. PEREIRA,
    M. A. Leituras de Guimarães Rosa na Argentina. In: DUARTE, L. P., ALVES, M.
    T. A. (org.).Outras margens  -
    estudos da obra de Guimarães Rosa. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p.
    173-189. Citando Luís Felipe de Alencastro, Silviano Santiago propõe
    uma interessante reflexão sobre a cultura brasileira, pautada na existência
    de “um espaço aterritorial, um arquipélago lusófono composto dos
    enclaves da América portuguesa e das feitorias de Angola”. Cf. SANTIAGO,
    S. Artelatina (manifesto). Colóquio ABRALIC. Belo Horizonte:
    FALE/UFMG, ago. 2001.  
     
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