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2)
Apolônio Pinto de Carvalho. Com 25 anos em 1937, expulso do Exército por sua
militância na ANL, que lhe rendeu um ano e meio de prisão, o Tenente de Artilharia
Apolônio de Carvalho é beneficiado pela "macedada", em junho desse ano, e
instala-se por um curto período na Bahia, onde contata novamente o PCB. Sua saída do
Brasil se deu em circunstancias especiais: tendo conseguido um passaporte legal junto ao
governo do Estado na época comandado por Juracy Magalhães embarca, a
partir de Salvador mesmo, no barco brasileiro Bagé, com destino ao Havre. Para driblar o
controle do "Comitê de Não-Intervenção" nas fronteiras da França, Apolônio
ingressa na Espanha como cidadão de Almeria, cidade da Andaluzia, com um legítimo
passaporte espanhol fornecido pelo consulado republicano em Paris (CARVALHO, 1997: 95),
expediente largamente utilizado por centenas de voluntários internacionais, inclusive
diversos brasileiros; o outro expediente era cruzar ilegalmente a fronteira dos Pirineus.
Pertencente à primeira leva de brasileiros que chegaram à Espanha, Apolônio foi
designado para receber formação em Almansa, pequena cidade entre o porto de Alicante e
Albacete, a base de treinamento das Brigadas Internacionais: "a troika
suprema no comando da base era André Marty, corno comandante, Luigi Longo
(Gallo) como inspetor-geral e Giuseppe di Vittorio (Nicoletti)
como comissário político em chefe" (THOMAS, 1977: 457). Perto dali, em Chinchilla
de Monte Aragón, ficava a escola de artilharia do Exército republicano, cujo comandante
era o capitão checo Mikeche (Idem: 458). Apesar de que, no romance de Jorge Amado, o
"Capitão Apolinário Rodrigues" seja apontado como combatente do batalhão
"Lincoln" da XV Brigada Internacional (l954: 183), o Tenente Apolônio de
Carvalho, na verdade, serviu como tenente de Artilharia no Exército do Centro,
participando de combates nas frentes de Extremadura e Andaluzia, sucessivamente nas
funções de capitão, major e coronel (CARVALHO, 1979a; 1997: 122). Apolônio comandou
uma agrupación (bateria de artilharia) na frente Centro Sul (MORENA, 1975b: 71;
CARVALHO, 1997: 101-112), participou da batalha de Teruel dezembro de 1937 a
fevereiro de 1938 e, finalmente, da última tentativa defensiva do Exército
republicano na Catalunha, antes de refugiar-se na França com os demais integrantes do
contingente brasileiro. Apolônio se confessou "surpreendido [pela] quixotesca
decisão" do Governo republicano de retirar os combatentes estrangeiros e, já
sentindo que a "derrota avultava no horizonte da República" (1997: 114), foi
transportado a Barcelona às vésperas do Natal de 1938. No início de janeiro de 1939,
"o rolo compressor fascista passa por toda a Catalunha deixando um rastro de morte e
ruína" (Idem, 115).
3) Joaquim Silveira dos Santos.
Saído numa das primeiras levas de voluntários para a Espanha, o Tenente de Infantaria
Joaquim Silveira era um dos envolvidos no levante do 3º Regimento de Infantaria do Rio de
Janeiro, em 27 de novembro de 1935; libertado na "macedada", embarca logo em
seguida para a Europa, com trânsito pelo sul do país e o Uruguai. Designado tenente do
Exército do Centro, "Quincas" Silveira se distingue em diversas frentes de
luta, como por exemplo em Huesca, sendo gravemente ferido duas vezes num mesmo combate.
Roberto Morena o encontra "convalescendo num hospital militar da província de
Alicante" (1975b: 71), após o que realiza trabalho político junto à direção do
PCE em Alicante (CARVALHO, 1997: 108). Depois da retirada das Brigadas Internacionais,
isolado, juntamente com Apolônio de Carvalho, dos demais brasileiros que se encontravam
na Catalunha, o Tenente Silveira ainda cumpre diversas operações militares antes de ser
enviado para a Catalunha e a França, no começo de 1939 (GAY DA CUNHA, 1946: 186). Por
ironia do destino, ele e Apolônio, dois comunistas convictos, viajam para a França
escoltando um colégio de freiras, também em busca de refúgio dos combates (CARVALHO,
1997: 116).
4) José Homem Correia de Sá.
Sargento aviador, participante do levante na Escola de Aviação Militar do Rio de
Janeiro, Correia de Sá acabava de completar 25 anos, em julho de 1937, quando partiu para
a Espanha, depois de purgar vários meses de prisão. Saído clandestinamente do país,
juntamente com David Capistrano e Jorge Eneas de Andrade, o Sargento Correia de Sá
embarca em Montevidéu, num barco inglês Harlander com passaporte da
República espanhola, nome espanhol e suposta naturalidade espanhola. Desembarcando em
Cherbourg, na França, Correia de Sá contata em Paris o centro de encaminhamento das
Brigadas Internacionais que funcionava na Maison des Syndicats, rue Mathurin Moreau; em
setembro, finalmente, atravessou a fronteira de Port Bou, fez curtas escalas em Barcelona
e em Valência que continuava como sede do governo republicano, agora dirigido por
Juan Negrin, socialista moderado que substituiu Largo Caballero e de lá seguiu
para Albacete. Correia de Sá e o Cabo Eneas foram enviados a um campo de aviação em Los
Alcaceres, a 20 km de Cartagena, onde havia aviões de treinamento, de fabricação
espanhola, e de combate, de fabricação russa e pilotados quase que exclusivamente por
russos. Mesmo se Correia de Sá, ocasionalmente, desempenhou as funções de instrutor de
tiro aéreo, "os brasileiros especializados em aviação ficaram subtilizados, até
que foram mobilizados para a infantaria" (CORREIA DE SÁ, 1979). Designado, com
outros brasileiros para o Batalhão Garibaldi, da XII Brigada, Correia de Sá foi para o
serviço especial de comunicações e, mais tarde, para a tropa de combate; na condição
de soldado, fez a batalha do Ebro, de onde conseguiu escapar sem receber ferimento de
gravidade, um fato raro nesse batalhão.
5) David Capistrano da Costa. Também
Sargento aviador e igualmente implicado na insurreição de 35, David Capistrano saiu da
cadeia para a Espanha. Como para os demais militares vinculados ao PCB, o envio se fazia
com ajuda externa, já que o partido brasileiro atravessava difíceis condições
financeiras: a passagem era paga pelo PC dos Estados Unidos, através de um comitê
americano de ajuda à Espanha (SILVEIRA, 1979a). Incluído no Batalhão Garibaldi,
Capistrano teve brilhante atuação militar, sendo logo promovido a tenente. Enviado a
diversas frentes, Capistrano comportou-se sempre com bravura, sendo ferido num dos
combates do Centro-Sul. Em meados de 1938, comandando uma companhia, Capistrano participa
da ofensiva do Ebro; na retirada das forças republicanas, imobilizou as tropas inimigas
de metralhadora em punho, permitindo assim a retirada de seus homens e a reorganização
dos combatentes republicanos em novas linhas de defesa (CANABARRO, 1979a).
6) Eneas Jorge de Andrade. Cabo de
aviação e um dos mais jovens militares voluntários, Eneas de Andrade foi a única
vítima, do contingente brasileiro, morto em combate. Integrante da segunda leva de
voluntários brasileiros, ao contrário dos demais que foram designados quase todos para a
XII Brigada, o Cabo Eneas "não quis combater em outra unidade militar que não fosse
de aviação" (CORREIA DE SÁ, 1979). Quando estava em sua base de Quintanar de la
Republica (antiga Quintanar del Rey, a 18 km de Albacete), Correia de Sá veio a Albacete
para visitar Eneas que, tendo cumprido já algumas ações, tinha sido promovido a tenente
de aviação; em janeiro de 1938, Correia de Sá recebeu carta dele, acompanhado de foto
do sanatório onde se encontrava repousando. Pouco tempo depois, Correia de Sá recebe
carta de Roberto Morena, comunicando a morte de Eneas em combate, sobre Saragoça,
retornando de uma missão contra aviões alemães e italianos (Idem; MORENA, 1975b: 71).
7) Nelson de Souza Alves. Tenente da
Polícia Militar no Espírito Santo, Nelson Alves participou do movimento aliancista e
como tal sofreu perseguições e prisão. Vinculado ao PCB, o Tenente Alves foi enviado à
Espanha no segundo semestre de 1937, sendo designado para a XII Brigada Internacional,
onde revela brilhante atuação. Ferido gravemente na batalha do Ebro, recebe no hospital
a notícia de que as brigadas internacionais estão sendo desmobilizadas (setembro de
1938); do Hospital de Moyá é transferido por caminhão a Barcelona para ser evacuado
pela fronteira francesa. Recuperado, volta a assumir o posto de comandante de pelotão
numa das unidades da XV Brigada, reorganizada quase no final da guerra por André Marty em
pessoa; sua conduta foi exemplar em todas as frentes de combate de que participou.
8) Roberto Morena. Um dos poucos
civis a participar do contingente brasileiro, Morena teve um papel proeminente em função
de sua posição como líder do PCB. Sindicalista histórico, marceneiro-entalhador de
profissão, Roberto Morena tinha já uma longa vocação internacionalista, participante
que foi dos primeiros congressos de unificação do movimento trabalhador
latino-americano, no ano de 1929, com a criação da Confederação Sindical
Latino-Americana em Montevidéu e sua vinculação à Internacional Sindical Vermelha, com
sede em Moscou (RODRIGUES, 1979a, 1979b, 1987; ALMEIDA, 1991). Dirigente do PCB em Porto
Alegre por ocasião do levante aliancista, Morena passa alguns meses em prisão, no Rio de
Janeiro, saindo com a "macedada", no mês de junho de 1937. Imediatamente,
atendendo a instruções da liderança do partido, Morena organizou e despachou o maior
número possível de voluntários para a Espanha, ele mesmo seguindo viagem em outubro
daquele ano. Chegando na Espanha em novembro, Morena foi inicialmente ligado ao Batalhão
Garibaldi: sua missão "era de ser o responsável pelos quadros brasileiros e de (se)
incorporar a uma unidade militar com o cargo de comissário político. Teve pouca
participação militar porque o secretariado do Partido Comunista Espanhol achou que
precisava de alguns quadros no setor administrativo; optaram pela região de Alicante,
onde fui como instrutor do comitê central do Partido Comunista Espanhol" (MORENA,
1975a).
9) Dinarco Reis. Tendo ingressado na
Aviação militar como soldado, em 1924, Dinarco Reis era 2º Tenente e militante do PCB
em 1935, quando participou do movimento insurrecional de 27 de novembro (REIS, 1981). Daí
em diante, ele seguiu praticamente o mesmo itinerário dos demais companheiros da
insurreição aliancista e voluntários da Guerra Civil Espanhola: prisão em novembro de
1935 e expulsão do Exército, libertação condicional em junho de 1937, saída
clandestina pelo sul do país e embarque em Montevidéu num navio inglês em direção da
França (SILVEIRA, 1980). Em Paris, em março de 1938, quando muitos brasileiros já
julgavam perdida a causa da República, Dinarco interviu decisivamente para lembrar-lhes o
dever de solidariedade e os compromissos com o Partido (CARVALHO, 1997: 124). Designado
para o 2º batalhão da XII Brigada, Garibaldi, Dinarco Reis serviu sempre na Catalunha,
no início como simples soldado, tendo sido promovido a cabo três meses depois. Exceção
rara na guerra e no contingente brasileiro, Dinarco Reis não foi ferido em combate,
apesar de ter participado de todos os combates na frente do Ebro desde que chegou (REIS,
1981). Ele também exerceu, durante um certo tempo, funções não combatentes como
especialista da Força Aérea republicana (CANABARRO, 1967). Participou da ofensiva do
Ebro e, já na fase final da guerra, foi designado capitão, tendo sido evacuado pouco
depois com os demais membros do contingente brasileiro (REIS, 1981).
10) Delcy Silveira. Natural de Santa
Vitória do Palmar, no Rio Grande do Sul, o cadete do último ano de Aviação Delcy
Silveira participou do movimento aliancista e comunista, foi preso e passou mais de um ano
na cadeia, onde conheceu Roberto Morena e o escritor Dyonélio Machado (SILVEIRA, 1979c).
Libertado na "macedada" de 1937, não se sentiu seguro e mergulhou na
clandestinidade; saiu do Brasil, para o Uruguai, por determinação da direção estadual
do PCB no Rio Grande do Sul, juntamente com Dinarco Reis, seu irmão Eny e Nelson de Souza
Alves. Em Montevidéu, partilhou sua casa Hermenegildo de Assis Brasil, antes de seguirem,
no navio polonês Pulaski, para a França e depois Espanha (SILVEIRA, 1979b, 1980).
Atendendo a convite de um dos comandantes italianos, Randolfo Pacciardi, Delcy, integrante
da terceira leva de voluntários brasileiros, juntamente com seu irmão Eny, foi
incorporado ao Batalhão Garibaldi no começo de 1938, entrando imediatamente em ação.
Em julho de 1938, os republicanos atravessam o Ebro e estabelecem uma cabeça de ponte de
mais de 30 km na margem direita do rio, pouco depois dos nacionalistas terem dividido a
zona republicana ao meio ao conquistar Villaroz, no Mediterrâneo. A batalha do Ebro
mobilizou todas as unidades das brigadas internacionais, nela tomando parte ativa o já
Tenente Delcy Silveira: ele foi ferido duas vezes nessa ofensiva. Ele só foi ser oficial
na fase final da guerra, passando a comandar um pelotão em uma companhia de metralhadoras
pesadas (SILVEIRA, 1979c).
11) Eny Antonio Silveira. Irmão de
Delcy, Eny, "à época do conflito espanhol era estudante ginasial, sendo o mais
jovem combatente brasileiro na guerra da Espanha e, também, o único civil do grupo e,
por isto, teve que custear sua ida para a Espanha, o que não aconteceu com os demais,
todos militares... Combateu na XII Brigada Internacional, (Batalhão) Garibaldi. Foi
delegado político de pelotão, tendo o posto de Tenente. Era possuidor de grande coragem
pessoal, tendo sido ferido durante a batalha do Ebro, em combate noturno, ao assaltar uma
trincheira fascista, num corpo a corpo, em que seu pelotão de 26 homens, após algumas
horas de luta, ficou reduzido a 6 combatentes, pois os demais estavam fora de combate,
mortos ou feridos" (SILVEIRA, 1979a). Em setembro de 1938, juntamente com seu irmão,
Homero Jobim e Nelson de Souza Alves, se encontrava hospitalizado por ferimentos recebidos
nessa batalha e, até pouco antes da evacuação, participou de tarefas militares no
âmbito das brigadas internacionais (GAY DA CUNHA, 1946: 156).
12) Nemo Canabarro Lucas. Originário
do Rio Grande do Sul, o Capitão de Cavalaria Nemo Canabarro tinha 29 anos quando abandona
seu exílio no Uruguai (onde figurava no Estado Maior do oposicionista Flores da Cunha) e
viaja para a Espanha, via França, no final de 1937, com passaporte fornecido pelas
autoridades espanholas de Montevidéu. Sem vinculações com o PCB, Nemo Canabarro
declinou a oferta de alistar-se nas Brigadas Internacionais, preferindo servir no
Exército republicano espanhol. Mobilizado para a Agrupação do Exército da Catalunha,
Nemo Canabarro foi designado oficial de Estado Maior na 218ª Brigada Mista da 34ª
Divisão de Infantaria que integrava o 10º Corpo do Exército do Leste. Como comandante
da seção de operações da Brigada, Canabarro dedicou-se à inspeção de batalhões
localizados à margem do rio Noguera-Pallaresa, nos Pirineus, contribuindo para o
aperfeiçoamento da posição das armas pesadas (metralhadoras e bateria de reserva de 75
mm). Na Divisão, Canabarro, logo promovido a Capitão e comandante do Estado Maior de sua
Brigada, nos últimos meses, travou contato como o Capitão Dimitri, conselheiro
soviético de pouca experiência militar; participou igualmente em operações defensivas
e ofensivas nos setores de Sorte, das quais resultaram, contra suas observações não
acatadas, grande número de mortos e feridos. Canabarro esteve ainda em ação em Seo de
Urgel e na contra-ofensiva de Segre, área de Balaguer, em apoio do exército do Leste ao
exército do Ebro, durante a fase final da batalha do Ebro. Durante a evacuação, voltou
a encontrar-se com os demais brasileiros, reagrupados na Catalunha e alinhou-se entre os
participantes na proteção à retirada dos exércitos do Ebro e do Leste, para a
fronteira franco-espanhola (CANABARRO LUCAS, 1977, 1979a, 1979b, 1979d).
13) José Gay da Cunha. Também de
Porto Alegre, Gay da Cunha foi ajudante de ordens de Oswaldo Aranha, enquanto ministro da
Fazenda, em 1932, voltando logo depois para a Escola Militar. Formado tenente de
aviação, toma parte na insurreição, consegue escapar, mas se apresenta poucos dias
após. Depois de vários meses de prisão, inclusive num navio ancorado na baía da
Guanabara, Gay da Cunha refugiou-se no Uruguai e viajou para a França, com documentos
espanhóis forjados, em companhia de Assis Brasil, no navio francês "Belle
Isle". Ao embarcar para Perpignan, em princípios de 1938, são acompanhados pelo
Major Costa Leite, atravessando a fronteira clandestinamente, a pé, na altura de Port Bou
(GAY DA CUNHA, 1979a e 1979b). Em abril é incorporado ao Batalhão 569 da 143ª Brigada
Mista do Exército republicano, integrada por sua vez à 24ª Divisão da Agrupação
Norte do Exército da Catalunha. Nomeado comandante da 1ª Companhia, o Tenente Gay da
Cunha participa de diversas operações no vale do rio Noguera-Pallaresa, dominando
posições fascistas naquela área. Em. meados do ano, já integrado ao 24º Batalhão de
Metralhadoras Motorizado, Gay da Cunha participa da ofensiva do Ebro, onde é ferido
gravemente; internado durante mais de um mês em hospitais militares, volta, no final do
ano, ao corpo de voluntários da XV Brigada Internacional, na qual, designado pelo
próprio André Marty, exerceria funções de comando (GAY DA CUNHA, 1946: 156).
14) Hermenegildo de Assis Brasil. De
tradicional família gaúcha, o Cabo de aviação Assis Brasil figurava entre os mais
jovens voluntários brasileiros, dentre os quais se distinguiu por extraordinária bravura
em combate nas frentes de Espanha. Designado como comandante de pelotão de uma unidade
integrando a 31ª Divisão do X Corpo de Exército, nos Pirineus, Assis Brasil participou
de violentos combates em meados do ano: "no combate de Piedras de Aolo, no setor de
Sorte, o Tenente Hermenegildo de Assis Brasil, em operação noturna que começou ao
crepúsculo e terminou ao alvorecer do dia, repeliu quatro assaltos consecutivos das
unidades franquistas, ao nível de companhia ou batalhão. Nesse combate, Hermenegildo
lutou entre seus homens, atuando ao mesmo tempo como comandante da companhia e como
simples soldado. Um fato é característico de sua ação: ele pessoalmente lançou mais
de 100 granadas de mão. Carregou nas costas vários de seus homens feridos para o posto
de primeiros socorros (CANABARRO LUCAS, 1967). Na fase final da guerra e
praticamente na retirada para a França através dos Pirineus, Assis Brasil ainda chegou a
dirigir uma companhia, tendo sido designados comandantes de pelotão Capistrano e Nelson
Alves: "essa unidade, muito bem armada, esteve cercada pelos fascistas e, após duros
combates, rompeu o cerco, juntando-se à Brigada já na fronteira com a França"
(SILVEIRA, 1980). Assis Brasil saiu vivo da Espanha, mas veio a morrer na França, pouco
depois.
15) Carlos da Costa Leite. O mais
graduado e o mais idoso do grupo de voluntários brasileiros, o Major de Artilharia Costa
Leite era um revolucionário histórico e um dos mais brilhantes líderes da ANL no Rio de
Janeiro, antes de ser despachado para o comando de uma unidade de artilharia em Bagé,
onde também serviu o jovem Tenente Apolônio de Carvalho. Na Espanha, Costa Leite serviu
inicialmente como instrutor do Centro de Organização e Preparação nº 2, localizado
numa cidade da Catalunha. Em meados do ano já era, contudo, comandante de uma unidade de
artilharia do Exército do Ebro, num batalhão que participou da última ofensiva das
forças republicanas naquela região (MORENA, 1975b: 71; GAY DA CUNHA, 1946: 156).
16) Homero de Castro Jobim. Gaúcho
de nascimento, Homero Jobim não havia ainda atingido a maioridade quando foi excluído do
Exército, como aspirante de Cavalaria, em dezembro de 1935, após haver concluído o
curso da Escola Militar do Realengo. Um mês antes ele havia tomado parte em reuniões
preparatórias da insurreição aliancista, o que lhe valeu seis meses de prisão na Casa
da Detenção do Rio de Janeiro. Depois de alguns meses em Porto Alegre, ele se sente
ameaçado de prisão, com a intervenção de Vargas no governo local e se refugia em
Montevidéu e Buenos Aires, onde já se encontravam diversos outros companheiros. Em
fevereiro de 1938, embarca em Montevidéu com destino à Europa, no Olympic, munido de
passaporte brasileiro obtido no Consulado brasileiro daquela capital; depois de trânsito
pela Inglaterra, Bélgica e França, penetra na Espanha, pela fronteira de CerbËre-Port
Bou, no final de março. Em abril é comissionado no posto de tenente do Batalhão
Garibaldi da XII Brigada, seguindo imediatamente para a frente do Ebro. Ferido diversas
vezes nessa frente, Homero Jobim exerce o comando de uma companhia de infantaria durante a
fase mais aguda dos combates. No mês de setembro, ferido gravemente no pulmão por
granada de artilharia, é hospitalizado durante dois meses, em Vallarca e no Hospital de
Mataró, em Barcelona. Ele seria ainda ferido duas vezes mais em outros combates na mesma
região. Mesmo depois da retirada dos voluntários estrangeiros das frentes de combate,
participa de diversas ações militares em localidades da Catalunha, no quadro da XV
Brigada, desta vez no Batalhão "Lincoln", ainda como Tenente (JOBIM, 1979a,
1979b e 1979c).
A esse conjunto de combatentes brasileiros
deve ser acrescentado alguns nomes de oficiais voluntários que não chegaram contudo a
pegar em armas pela Espanha republicana; são eles: o Major Alcedo Cavalcanti,
ex-professor do Estado-Maior do Exército brasileiro e provisoriamente exilado no Uruguai,
os oficiais Celso Tovar Bicudo de Castro e Paulo Machado Carrión e o Tenente aviador
Carlos Brunswick França, todos participantes do movimento aliancista. Os três primeiros
não chegaram a ir para a Espanha: em Paris, desentenderam-se com as autoridades
espanholas e voltaram para o Uruguai; o Tenente França foi à Espanha, mas não chegou a
combater, pois as autoridades militares já estavam retirando os pilotos estrangeiros
(CORREIA DE SÁ, 1979; CANABARRO LUCAS, 1979a).
Em contrapartida, poderiam ser arrolados ao
grupo de voluntários saídos do Brasil, diversos outros combatentes estrangeiros que, na
maior parte, eram ou tinham sido imigrantes ou residentes, numa ou noutra época, no
Brasil. Caberia citar, em primeiro lugar, os combatentes da primeira hora que foram os
italianos antifascistas e, como menção especial, os militantes comunistas ou
progressistas de origem judaica, duas categorias que engajaram-se decisivamente na luta
antifascista espanhola, para eles parte do combate mundial contra as ditaduras
nazi-fascistas que, na mesma época, estavam massacrando militantes comunistas e
socialistas e, particularmente, judeus alemães.
17) Ramón Prieto Bernié. Espanhol
residente no Brasil, onde exercia a profissão de jornalista, foi um dos participantes do
movimento aliancista e, como tal, teve de sair do Brasil. Integrado numa unidade do
Exército republicano, a 100ª Brigada do V Corpo do Exército, Prieto serviu em seguida
como comissário da XII Brigada dessa força: segundo Apolônio, ele foi "cinco vezes
ferido, cinco vezes de volta ao front" (1997: 125). Também integrado como combatente
ao batalhão Garibaldi, na batalha do Ebro, Prieto atuou como comandante de uma companhia
de metralhadoras, refugiando-se, depois da guerra, na Argentina (PRIETO: 1966).
18) Libero Battistelli. Republicano,
advogado e escritor, pertencente ao movimento socialista "Giustizia e Libertà",
militante da causa antifascista que, para escapar à polícia de Mussolini, tinha emigrado
para o Brasil, onde se tornou agricultor, mas aqui desenvolveu, também, atividades
editoriais e jornalísticas. "Acorreu à Espanha, com a mulher, em setembro de 1936.
Depois de ter feito parte do [batalhão] Rosselli e comandado um grupo de
artilharia, na formação Ascaso [líder anarquista], vem à Garibaldi, em abril de 1937,
assumindo o comando do 1º batalhão" (CALANDRONE, 1967: 616). O major Battistelli
foi golpeado quando comandava um ataque seu batalhão num ataque sem apoio aéreo ou de
artilharia na região de Huesca, onde pouco antes tinha sido atingido por um canhonaço
fascista o famoso comandante bolchevique de origem húngara Lukacs. Segundo o comandante
italiano Pacciardi, que coordenava as operações, "Battistelli Ë della teoria che
un comandante non deve mai abbassarsi, un comandante non deve mai ripararsi. Armato di una
bonaria filosofia fatalista, agitando la cannetta come se andasse a vedere il racolto
della sua fazenda brasiliana, Battistelli va incontro alla morte" (1938:
237).
19) Francesco Leone. Também
italiano, mas nascido em 1899, em São Paulo, onde seus pais eram trabalhadores
agrícolas, o revolucionário profissional Francesco Leone foi criado na Itália, aderiu
ao PCI desde sua constituição, recebeu formação militar na União Soviética, militou
intensamente na clandestinidade, até ser preso pela polícia de Mussolini e condenado a
sete anos. Em 1934, desfrutando da dupla nacionalidade, retornou ao Brasil, aqui
envolvendo-se igualmente nas atividades do PCB e da ANL; fugindo à repressão varguista,
Leone viaja para a França, começando a trabalhar para a organização humanitária de
vinculação comunista, Secours Rouge International, que o envia à Espanha assim que
explodiu a guerra civil (LEONE, 1981; ANDREUCCI-DETTI, 1966: III, 92-93). Já em agosto de
1936, ele encontrava-se em Madri, servindo como comissário político na centúria Gastone
Sozzi (que tinha sido seu colega em Moscou), antes mesmo que o Governo republicano
autorizasse a formação das Brigadas Internacionais (CALANDRONE, 1967: 602-604).
20) Ernest Yosk. Judeu alemão,
militante socialista, tinha emigrado ao Brasil no final dos anos 20, envolvendo-se com a
agitação comunista de meados da década seguinte: preso em São Paulo, deportado para a
Alemanha pela polícia de Vargas, aliás no mesmo barco em que viajava Apolônio, o Bagé,
ele consegue escapar no porto do Havre, rumando logo em seguida para a Espanha onde se
integra às Brigadas (CARVALHO, 1997: 86-87 e 131). Já quarentão, Yosk foi internado com
os demais brigadistas nos campos de ArgelËs e de Gurs; mais tarde, ele vem a fugir, mas
permaneceu na França, onde se incorporou aos grupos de resistência anti-nazista; segundo
certas informações, ele veio a morrer num campo de concentração alemão, em
circunstâncias não elucidadas.
21) Wolf Reutberg. Outro judeu, de
origem romena, trabalhou na Light and Power de São Paulo, enquanto esteve emigrado no
Brasil e militou na ANL ainda muito jovem. Expulso do Brasil, também se dirige à
Espanha, participando dos combates nas fileiras das Brigadas (DULLES, 1985: 38 e 174).
Internado nos campos franceses, ele foge com os demais brasileiros durante o caos gerado
pela invasão da França. Participou das primeiras organizações de resistência e, em
1942, estava nas fileiras dos Franc-Tireurs et Partisans, seção MOI (mão-de-obra
imigrada). Segundo Apolônio, ele foi preso quase no final do conflito, tendo sido
sumariamente fuzilado (DIAMANT, 1979: 371; CARVALHO, 1997: 167).
Outros combatentes na Espanha, tiveram, num
momento ou noutro de suas vidas, vínculos com o Brasil, como o comunista italiano Nino
Nanetti, aqui nascido mas criado na Itália, onde teve intensa militância comunista;
um dos voluntários italianos da primeiríssima hora, já em agosto de 1936 ele
participava dos primeiros combates no Aragão (DELPERRIE DE BAYAC, 1968: 48), vindo a
morrer, em abril de 1937, despedaçado num bombardeio aéreo (LONGO, 1956: 337). Desde
1923 no Brasil, o suíço Otto Brunner tinha trabalhado no Mato Grosso, entrando em
contato com a Coluna Prestes, quando ela se interna na Bolívia, mas já em 1927 ele se
encontrava de volta à Suíça, de onde sai para a Espanha numa das primeiras levas de
combatentes voluntários (ZSCHOKKE, 1976: 93). Na vertente, "surrealista", pode
ser citado Benjamin Peret, companheiro de André Breton, e que viveu no Brasil
entre 1928 e 1932, tendo um filho brasileiro; retornado à França, foi um dos primeiros a
seguir para a Espanha, em grande medida por impulso romântico-revolucionário de
colaborar com as atividades do POUM; ele saiu depois das jornadas de maio de 1937 em
Barcelona, que assistem à repressão à oposição de esquerda (NAVILLE, 1981).
Finalmente, consta que Oreste Ristori, velho militante anarquista de ascendência
italiana e pioneiro das lutas classistas do proletariado brasileiro, se teria alistado
como voluntário nas Brigadas Internacionais, depois de ter sido expulso pela última vez
do Brasil, em abril de 1936 (DULLES, 1977: 41 e 427), mas não há evidências positivas
nesse sentido. Eduardo Maffei, aliás, indica a pouca consistência do suposto
"episódio espanhol" na vida do grande militante anarquista Ristori (1979b:
119-120). |
|
VI.
Os Brasileiros na Guerra Civil
Nas Brigadas Internacionais estavam
representados 53 países: a quinzena de voluntários brasileiros ali integrados constituiu
a modesta porém decidida ação de solidariedade internacionalista por parte do movimento
antifascista do Brasil em relação à República espanhola. O pequeno número de
brasileiros, assim como a diversidade de suas especializações militares não permitiram
que se constituísse uma unidade homogênea; ademais, o grande espaço de tempo entre uma
chegada e outra do início de 1937 a março de 1938 dificultou a
concentração do grupo brasileiro numa única unidade, acrescido ao fato da grande
mobilidade organizacional dos diversos batalhões internacionais, permanentemente
submetidos a grandes drenagens humanas, necessitando assim recomposições rápidas, sem
distinção de nacionalidade (BROUÉ-TÉMIME, 1961: 357-358; BROME, 1965: 191). A partir
de uma determinada fase da guerra, aliás, existiam mais espanhóis que estrangeiros nas
brigadas internacionais: "A medida que o fluxo de voluntários diminuía, pelo que os
batalhões ameaçavam ficar reduzidos nas suas forças, eram transferidos espanhóis do
seu próprio exército ainda em crescimento e cada vez mais disciplinado" (BROME,
1965: 293).
Os voluntários brasileiros, tendo chegado
à Espanha a partir de meados de 1937, com a exceção precoce do Tenente Besouchet,
combateram nos dois terços finais da guerra civil, permanecendo em território espanhol
até os últimos momentos do esforço republicano: de julho de 1937 a janeiro de 1939, os
brasileiros estiveram representados em todas as frentes de combate de Belchite a
Teruel, de Lerida ao Ebro, passando por Huesca e pelas campanhas de Aragão e das
Astúrias e, finalmente, pela da Catalunha , nas diversas armas militares engajadas
na luta artilharia, infantaria, cavalaria blindada e aviação militar e
também como comissários políticos de unidades específicas.
Nesse período, apesar de efêmeros sucessos
governamentais a captura de Belchite, o ataque a Teruel, a ofensiva do Ebro
as tropas rebeldes estiveram constantemente em avanço e a situação das forças
republicanas e internacionais não deixou de ser crítica, mesmo se a melhor organização
destas últimas, a partir de meados de 1937, conseguiu prolongar o conflito e postergar a
derrota militar do Governo republicano. Mas, mesmo na ofensiva do Ebro, o destino da
República estava selado. Delcy Silveira traduz sua própria experiência nessa fase:
"A tática dos fascistas era escolher dois quilômetros de frente e concentrar todo o
peso da aviação e da artilharia durante o dia e depois avançar com tanques e homens.
Uma vez quebrada a frente, não se conseguia mais deter o avanço do inimigo: levavam de
roldão o que restava das forças republicanas. A concentração de fogo durante esses
ataques localizados era impressionante: a topografia do terreno chegava a mudar"
(1979c).
Não há dúvida que a derrota foi antes
militar do que política, a despeito das acirradas divisões ideológicas entre as forças
que compunham a Frente Popular, e mesmo essa derrota militar deve ser avaliada levando-se
em conta os recursos materiais e humanos postos à disposição de cada um dos
adversários. A mobilização dos fascismos em favor de Franco foi, nesse caso, decisiva:
em 1º de dezembro de 1936, a Alemanha e a Itália tinham encaminhado cerca de 300 aviões
e quase 100 tanques, além de centenas de peças de artilharia e de metralhadoras, dezenas
de milhares de granadas de mão e toneladas de munição para armas automáticas
(COVERDALE, 1975: 115). O esforço redobraria nas grandes batalhas do ano seguinte.
A mesma desproporção gritante se revelou
nos "recursos humanos": em janeiro de 1937, quando não se tinha conseguido
ainda juntar dez mil voluntários internacionais ao lado das forças republicanas, já
havia 30 mil italianos de Mussolini combatendo por Franco (BROME, 1965: 191). Essa
constatação de uma "luta dura e desigual" corresponde à percepção dos
próprios brigadistas que combateram pela República: Dinarco Reis, por exemplo, que
condena o atendimento pelo Governo republicano da solicitação da Liga das Nações de
retirada de "todos" os corpos estrangeiros, é eloqüente nesse aspecto: "O
governo da República aceitou e cumpriu à risca esse compromisso; o mesmo não se deu do
lado franquista. (...) A ajuda de toda a natureza recebida pelos franquistas era
imensamente maior e sem limites. (...) A derrota militar das forças armadas espanholas da
maneira rápida como ocorreu foi devida, entre outros fatores, pela falta de recursos
materiais para prolongar a resistência. Era geral a carência não só de armamentos e
recursos bélicos como de elementos vitais para a população da retaguarda (REIS, 1981).
Portanto, se a intervenção estrangeira do
lado republicano não foi decisiva em termos de homens ou armas para o
desempenho efetivo de guerra, mesmo se ela assumiu uma grande importância em determinados
momentos da condução do conflito, já a ajuda das potências fascistas foi essencial
para a vitória militar de Franco: sem ela, dificilmente o golpe militar de julho de 1936
teria se transformado em guerra civil e esta assumido as proporções que teve no decorrer
dos três anos seguintes. Os ex-combatentes brasileiros entrevistados são unânimes em
reconhecer a capacidade militar superior das tropas rebeldes como o principal fator da
vitória franquista, contribuindo inclusive para agravar as dissensões políticas no seio
das forças republicanas. Por outro lado, a capacidade de resistência da República
espanhola, durante os três longos anos de uma cruel guerra civil, foi antes de mais nada
a expressão de uma vontade política extremamente combativa, que só se poderia explicar
pela moral elevada dos soldados e civis empenhados naquela resistência.
Nenhum brasileiro voluntário foi para a
Espanha por espírito de aventura ou como tentativa romântica de se projetar
militarmente; todos assumiram conscientemente seu lugar no combate antifascista do povo
espanhol e contribuíram, ainda que modestamente, no esforço de guerra republicano.
Roberto Morena, responsável que foi por grande parte dos quadros militares brasileiros na
Espanha, escreveu que "nas unidades para as quais os brasileiros foram enviados, seu
comportamento sempre mereceu o elogio de seus comandantes" (1975b: 71) e,
reconhecidamente, todos eles foram promovidos, com exceção de Costa Leite que conservou,
desde o início, seu já alto posto de Major do Exército Republicano espanhol. Nemo
Canabarro, Gay da Cunha, Dinarco Reis, Apolônio de Carvalho e Joaquim Silveira foram
promovidos ao posto de Capitão de suas unidades militares respectivas; Assis Brasil (que
era apenas cabo no Brasil), Correia de Sá, Capistrano, Delcy, Eny e Homero Jobim
atingiram o posto de Tenente; o Cabo Eneas, antes de morrer em combate, tinha sido
promovido a Tenente de aviação.
Como informa, aliás, Apolônio de Carvalho,
nem todos os brasileiros deslocados voluntariamente para a Espanha puderam empregar
plenamente suas qualificações militares. "Metade de nosso contingente militar, por
exemplo, provinha da Aeronáutica, mas apenas Eneas Jorge de Andrade conseguiu lugar na
aviação espanhola... (...) Independentemente de tais vicissitudes, no entanto, ao fim da
guerra todos os nossos voluntários serão promovidos, por merecimento, ao posto de
capitão..." (CARVALHO, 1997: 123). Uma frustração unanimemente partilhada pelos
brasileiros eram as condições inferiores de luta a que estavam submetidas as forças
republicanas. Como disse Delcy Silveira, "enquanto os fascistas disparavam dez
obuses, os republicanos só ripostavam uma vez" (1979c).
VII. Derrota e Evacuação
Em abril de 1938, o território espanhol
ainda sob controle do Governo republicano é dividido em duas partes, como conseqüência
da ofensiva fascista no estuário do Ebro e a conquista de Villaroz, no Mediterrâneo: a
Catalunha fica isolada do centro, acrescentando novos problemas estratégicos às já
pesadas tarefas do Governo de Valência. A tentativa de romper o domínio fascista sobre
essa frente foi a última ofensiva coordenada do lado republicano: de julho a setembro de
1938, as forças combinadas republicanas, espanholas e internacionais, são concentradas
na margem do Ebro, conseguindo estabelecer uma cabeça de ponte de mais de 30 km no lado
direito do rio. As Brigadas Internacionais, já parcialmente desagregadas nessa época,
são totalmente engajadas nessa frente, e nela os voluntários brasileiros recebem sua
mais dura prova de combate: praticamente todos recebem ferimentos, de maior ou menor
gravidade, ao participarem das ferozes lutas que se travam em torno da conquista de poucos
palmos de terreno.
A 21 de setembro, em Genebra, perante a
Sociedade das Nações, o Chefe do gabinete republicano, Juan Negrin, anuncia a decisão
do Governo espanhol de retirar todos os voluntários internacionais das frentes de
combate, numa controvertida tentativa de mostrar que o lado legalista não precisaria
recorrer a forças estrangeiras para enfrentar um conflito interno. Os poderes fascistas,
que nunca se haviam submetido ao controle do "Comitê de Não-Intervenção",
aproveitam-se desse gesto gratuito e unilateral para reforçar ainda mais a ajuda à
Franco, esperando eliminar rapidamente a já debilitada resistência republicana. Os
voluntários brasileiros, muitos deles internados em hospitais da Catalunha, são
informados dessa decisão ao mesmo tempo que da notícia do Acordo de Munique, entre
Daladier, Chamberlain e Hitler, consubstanciando a entrega da Checoslováquia à Alemanha.
Roberto Morena enviou uma carta a todos os brasileiros combatentes na Espanha: "pela
primeira vez Morena falava na retirada dos quadros brasileiros e na necessidade de
preservar sua experiência para as lutas no Brasil" (SILVEIRA, 1979c).
Em 15 de novembro de 1938, já
desmobilizados, os voluntários internacionais participam da parada de despedida, em
Barcelona, saudados por Negrin e La Passionaria e aclamados delirantemente pela
população. Em Barcelona, se encontravam naquela ocasião todos os voluntários
brasileiros que tinham participado ultimamente de operações militares no âmbito do
Exército do Leste: Gay da Cunha, Dinarco Reis, Homero Jobim, Correia de Sá, Delcy
Silveira, Nelson de Souza Alves, David Capistrano, Nemo Canabarro, Costa Leite, Assis
Brasil e Eny Silveira. Os demais, Joaquim Silveira, Apolônio de Carvalho e Roberto Morena
ainda estavam no Centro, agora isolado dos Pirineus, e apenas os dois primeiros
conseguiram chegar à Catalunha nos dois meses seguintes.
A desmobilização é, contudo, parcial, já
que nem todos os combatentes internacionais poderiam sonhar em voltar a suas pátrias. Os
voluntários de países democráticos franceses, ingleses, americanos e alguns
latino-americanos como mexicanos e cubanos foram retirados sem maiores problemas,
mas os combatentes de países fascistas ou antidemocráticos não tinham para onde ir. Em
dezembro, o Governo mexicano permitiu a idade de 6.600 voluntários internacionais que
esperavam repatriação: foram fretados cinco vapores que deveriam atracar em Bordéus e
oferecidos passaportes aos que conseguissem obter visto de transito do Governo francês
(CORREIA DE SÁ, 1979; GAY DA CUNHA, 1946: 187). Os voluntários recebem o passe de saída
do Governo republicano e se colocam em marcha para a fronteira: são milhares de
combatentes de todas as nacionalidades, agora desarmados e combalidos, fazendo dezenas de
quilômetros a pé, sob neve e frio. Contudo, quando se apresentam na fronteira francesa,
a 6 de janeiro de 1939, não lhes é permitida a entrada, sendo obrigados a voltar para os
centros de desmobilização, organizados precariamente.
Entrementes, Franco dá início à campanha
da Catalunha, região que no espaço de dois meses cairia sob seu controle: em dezembro
oito divisões blindadas italianas em sua maior parte irrompem na Catalunha.
Surpreendentemente, Barcelona cairia em menos de dois dias de luta, resultado sem dúvida
da ação da quinta coluna no interior da cidade (THOMAS, 1977: 870-873; GAY DA CUNHA,
1946: 189). André Marty reconvoca os voluntários disponíveis para lutar, mas apenas
para efetuar ações de retardamento: a XV Brigada é reorganizada rapidamente e os
brasileiros se apresentam para pegar em armas novamente. Designado comandante de
Estado-Maior da Brigada, Gay da Cunha começa a organizar uma companhia, apontando os
oficiais Assis Brasil, Nelson Alves e David Capistrano para comandantes de pelotão. No
mesmo grupo figuravam ainda Dinarco Reis, Nemo Canabarro, Homero Jobim, Correia de Sá,
Delcy e Eny Silveira, cuja tarefa era fundamentalmente organizar a retaguarda da coluna de
retirada e manter a ordem nos comboios de refugiados. |
|
No
final do mês de janeiro, mais de duzentas mil pessoas se acotovelam na fronteira
francesa. Os anarquistas da FAI, que já há algum tempo antes se tinham retirado da
Frente Popular e que, mesmo depois de abandonar as frentes de luta, tentam ainda conservar
suas armas, provocam alguns incidentes, rapidamente debelados pelas forças organizadas
dos voluntários internacionais (GAY DA CUNHA, 1946: 189). No dia 9 de fevereiro,
finalmente, na presença do Presidente do Conselho Juan Negrin, do Secretário-Geral da
Defesa Coronel Antonio Cordón e de André Marty, os voluntários atravessam a fronteira.
Era o final das Brigadas Internacionais, que atravessam a fronteira "num cenário de
êxodo bíblico", segundo as palavras de seu comandante, Luigi Longo (1956: xix).
Nessa altura, o regime de Vargas, cada vez mais pró-fascista, já tinha-se decidido a
reconhecer o governo de Franco, um dos primeiros no mundo a fazê-lo, com a ditadura
estadonovista de Salazar.
Quanto a Roberto Morena, ele "havia
ficado na província de Alicante, cuja capital sofria bombardeios aéreos todos os
dias..." (1975b: 71), e ainda se encontrava lá, mesmo depois da traição da junta
de capitulação de Casado, Besteiro e Miaja, em princípios de março (THOMAS, 1977:
902-903). "No dia 30 de março, os italianos de Gambara entravam em Alicante..."
(Idem: 915); pouco antes, na madrugada desse mesmo dia, Roberto Morena pegava o último
navio a largar o porto de Alicante o Stanbroock, barco espanhol de bandeira inglesa
, "subindo por uma corda porque o navio já se estava retirando..."
(MORENA, 1975a, 1978). Os que ficaram para trás foram fuzilados sumariamente. O navio
atraca em Oran, na Argélia francesa, e, com milhares de outros refugiados, Morena é
internado num campo de concentração em Boghar, no interior do país. Em meados do ano,
depois de duas tentativas de fuga, Morena embarca para a União Soviética, que estava
recebendo um certo número de refugiados espanhóis; lá, Roberto Morena deveria
permanecer durante cerca de um ano trabalhando numa fábrica de tratores de
Tcheliabinsk, entre outras atividades antes de voltar à América do Sul pelo
Pacífico.
"Para todos os refugiados começa
então a terrível provação do exílio. Na África do Norte ou na França, eles são
internados em campos onde enfrentam condições materiais e morais muito duras, esperando
o acolhimento por um pais estrangeiro ou a autorização para permanecer na França"
(BROUÉ-TÉMIME, 1961: 498). Com exceção de Morena, todos os demais brasileiros são
encaminhados aos campos de ArgelËs-sur-mer ou de Saint-Cyprien mais tarde ao de
Gurs, nos Pirineus orientais com dezenas de milhares de outros refugiados. Correia
de Sá, que foi encaminhado ao de ArgelËs, diz que "os franceses nos encurralaram na
praia, vinte quilômetro de mar, cercaram com arame farpado e nos deixaram lá, ao ar
livre, na chuva, em pleno inverno, um vento terrível que levantava a areia; nos forneciam
comida, aos tachos, mas nada de habitação" (1979).
A Garde Mobile, responsável pela
vigilância dos refugiados, delegava o trabalho de enquadramento aos Tirailleurs
Sénégalais, o que não contribuía em nada para facilitar os contatos com as autoridades
francesas. No romance Saga, o escritor Érico Veríssimo, com base nos depoimentos
de Homero Jobim e de um espanhol refugiado, Jesus Corona, reconstituiu o clima pavoroso do
campo de ArgelËs-sur-mer: "...somos cerca de 180 mil homens encurralados como
animais entre o mar e uma cerca de arames farpados, guardados por tropas senegalesas...
(...) a disenteria faz dezenas de vitimas. Não temos recursos para os medicar. Há homens
que caem e se entregam" (1960: 179 e 181). Delcy diz que esse campo logo se
transformou "num mar de merda", mas depois foram organizados precários
banheiros coletivos; "um burro que ocasionalmente havia aparecido no campo foi, em
questão de segundos, devidamente esquartejado e posto no caldeirão..." (1979c).
Em abril, os ex-voluntários brasileiros
são visitados no campo pelo Conselheiro Carlos da Silveira Martins Ramos, encarregado de
negócios junto ao Governo republicano espanhol, que se havia retirado com o Presidente do
Conselho, Negrin, então já desligado da representação e lotado em Paris. Ele oferece
passaportes aos que desejassem voltar ao Brasil, além de facilitar a vida dos demais,
conseguindo cobertores e alimentos. Aqueles que não tinham condenação no Brasil
aceitaram a repatriação. O diplomata, que relatou a Delcy ter ele próprio recomendado
ao Governo brasileiro o reconhecimento do governo franquista, forneceu algum dinheiro e
documentos de viagem aos brasileiros (1979c). No mesmo mês, Nemo Canabarro, Homero Jobim,
Nelson Alves e os irmãos Silveira receberam os passaportes e tomam um barco em Marselha,
o vapor "Mendoza", com destino à América do Sul.
Na volta ao Brasil, ficaram alguns dias
detidos na Polícia do Rio de Janeiro e depois de interrogados ganham a liberdade. Os
demais, isto é a maioria, permaneceriam ainda em campos de concentração durante vários
meses, pelo menos até o começo da guerra, no mês de setembro. Com a construção do
campo de Gurs "os franceses instalaram barracas enormes nos Pirineus orientais
e nos transportaram todos" são transferidos para lá: Costa Leite, Assis
Brasil, Joaquim Silveira, Gay da Cunha, Dinarco Reis, Correia de Sá, David Capistrano,
Apolônio de Carvalho e Nelson Alves (CORREIA DE SÁ, 1979).
Quando se iniciou a guerra, em setembro, as
autoridades militares francesas fizeram pressão para que os ex-combatentes internacionais
e espanhóis se alistassem na Legião Estrangeira para lutar contra os alemães.
"Inclusive, o General Gamelin, que tinha sido o Chefe da missão militar francesa no
Brasil (e, nessa condição, professor de Costa Leite), foi ao campo e nos convida para
integrar a Legião Estrangeira, com os mesmos postos que tínhamos na Espanha. Nós
concordamos com a manutenção das patentes, mas não no quadro da Legião Estrangeira,
que era uma força de repressão colonial, e sim no Exército francês, mas eles não
aceitaram" (CORREIA DE SÁ, 1979). Pouco tempo depois, mesmo condenados no Brasil,
Gay da Cunha e Correia de Sá conseguem, através da representação brasileira em Paris
onde trabalhava um sobrinho do ex-Ministro das Relações Exteriores, Pimentel
Brandão , passaportes de repatriados, concedidos pelo Consulado em Marselha; no
começo de 1940, antes que os alemães rompessem a frente francesa, embarcam separadamente
para a América do Sul.
Os demais permanecem no campo alguns meses
mais, enfrentando em seguida destinos diversos. Apolônio de Carvalho, Capistrano e
Dinarco Reis fogem de Gurs, "aproveitando o caos reinante", em meados de 1940 e
vivem, legal ou clandestinamente, na França de Vichy, em regiões diversas e com
ocupações diferentes. Dinarco Reis conta que "Hermenegildo, eu, Joaquim [Silveira]
e Wolf [Reutberg] conseguimos atingir Paris quando esta era ocupada pelos alemães. Costa
Leite, Apolônio e outros foram para Marselha. Correia de Sá escapou para Portugal e
Capistrano caiu preso pelos alemães sendo, porém, libertado e voltado a Marselha um ano
depois" (1981).
Correia de Sá, condenado no Brasil, vive
alguns meses, clandestinamente, em Portugal, onde tenta alistar-se no Exército de Chiang
Kai-chek para combater os japoneses que haviam invadido a China, mas não obteve ajuda da
Embaixada chinesa em Lisboa. Detido no segundo semestre de 1940 pelas autoridades
portuguesas, passa algum tempo no Forte de Caxias, onde também se encontrava Álvaro
Cunhal, com quem trava conhecimento. Expulso do país, com a ajuda do Cônsul brasileiro
que lhe consegue o repatriamento, consegue entrar clandestinamente no Brasil, onde
permanece alguns meses antes de juntar-se aos demais exilados em Buenos Aires (1979).
Em julho de 1941, Joaquim Silveira e Dinarco
viajam para Marselha, onde já se encontrava Apolônio, de onde passam a Portugal en fins
de 1941, juntamente com Capistrano. Este último viaja ao Uruguai, Silveira foi para o
México e Dinarco entrou clandestinamente na Venezuela, onde passou quatro meses, viajando
então ao Rio de Janeiro, onde permanece na ilegalidade, mas retomando os contatos com o
PCB (REIS, 1981). Quanto a Assis Brasil, ainda no Campo de Gurs, ele foi mobilizado
compulsoriamente para as frentes de trabalho nos primeiros meses da guerra, sendo obrigado
a reforçar a linha Maginot na fronteira franco-belgo-luxemburguesa. Depois da ofensiva
alemã, Hermenegildo, Reutberg e outros quatro brasileiros ficam no mesmo campo de
prisioneiros, de onde conseguem escapar, sob fogo de metralhadoras. Em 28 de junho de
1940, eles conseguem chegar a Paris, depois de 120 quilômetros de marcha noturna.
Novamente a caminho da liberdade, Assis Brasil vem a morrer acidentalmente de septicemia
durante uma extenuante jornada para a França de Vichy (BARATA, 1950: 127).
Apolônio de Carvalho, por sua vez, tendo
feito contatos com militantes comunistas brasileiros, consegue estabelecer-se em Marselha,
primeiro dando aulas de francês a judeus refugiados desejosos de emigrar ao Brasil,
depois trabalhando no próprio Consulado, como auxiliar local (CARVALHO, 1997: 138-139).
Em 1941, já encontram-se reunidos em Marselha Costa Leite, Dinarco, Joaquim Silveira e
Capistrano. Quando do rompimento de relações entre o Brasil e a Alemanha e da invasão
por esta última da "zona livre" francesa, Apolônio deixa o serviço no
Consulado e ingressa na resistência ao ocupante nazista, participando desde as primeiras
horas da organização de grupos de partisans (CARVALHO, 1979a, 1979b, 1997: 144-145). Ele
só retorna ao Brasil, depois de tantos combates, no final de 1946.
Costa Leite, Joaquim Silveira e Nelson Alves
conseguem, de várias maneiras alcançar a América do Sul, refugiando-se em Buenos Aires,
onde também chegaria, em meados de 1941, vindo da União Soviética, Roberto Morena,
acompanhado do líder do PCB Fernando de Lacerda. Com a intensificação da campanha pela
entrada do Brasil na guerra, ao lado dos aliados, vários do exilados brasileiros em
Buenos Aires operam uma entrada em massa no Brasil, com a intenção de se oferecerem
voluntários para o eventual corpo expedicionário que se constituiria dessa ação: Nemo
Canabarro, no Brasil, lança a idéia de formação de um "Exército de Voluntários
Americanos" para combater nos campos da Europa o totalitarismo fascista, tentando
forçar, sem resultados nessa fase, uma mudança na orientação pró-Eixo do Governo
Vargas. Os exilados brasileiros não conseguem, contudo, maior repercussão com seu
controvertido ato: são todos presos à sua entrada na fronteira e enviados para a
ilha-prisão de Ilha Grande no Rio de Janeiro, entre eles Correia de Sá. Ironicamente, o
diretor da Penitenciária era um tio do escritor Érico Veríssimo, o também gaúcho
Nestor Veríssimo (CORREIA DE SÁ, 1979; VERISSIMO, 1973). |
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Referências
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