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Greimas, em suas manifestações a respeito da semiótica
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como teoria de de todos os sistemas de significação ¾
considera que o homem está no mundo como uma figura relacionada a
outras aparências sensíveis e, desta forma, postula a existência de
uma semiótica no mundo natural:
o
mundo dito sensível torna-se assim objeto, em sua totalidade, da busca
da significação, ele se apresenta em seu conjunto e em suas
articulações como uma virtualidade de sentidos. A significação pode
se esconder
sob todas as aparências sensíveis, ela está atrás dos sons, mas
também atrás das imagens, dos odores e dos sabores. ( GREIMAS, 1968,
p. 3).
Considera-se a linguagem gestual aquela em que
o corpo humano se apresenta como um código particular de
significação, uma vez que ¾
nas palavras de Greimas ¾
o conjunto dos gestos e dos
movimentos do corpo humano pode sem nenhuma dúvida ser interpretado
como um sistema de signos (PROCA-CIORTEA, 1968, p.87).
A
linha paródica que dá origem à pluralidade do personagem Carlitos
abre espaço para circular a sua gestualidade orgiástica, em diálogo
com o trapaceiro pícaro e o utópico Quixote. Na complexidade
estrutural da paródia entre o cinema mudo e a obra literária é,
sobretudo, pela linguagem gestual, que se põe a nu a transcontextualização
paródica.
Carlitos
enfrenta seu opressor, mostrando o rosto do capitalismo americano,
parodiando, gestualmente, a
maneira como as classes das minorias se comportava, utilizando-se de um
dos esquemas mais esclarecedores, proposto por Greimas, em cuja
tipologia gestual, basicamente, o gesto é classificado como natural e
comunicativo.
De
forma peculiar, o neopícaro Carlitos contesta o sistema politico-social
vigente, abandona a simples e egocêntrica aventura do pícaro e
sinaliza para um mundo diferente em que se torna possível a realização
do sonho de liberdade de Dom Quixote.
Surge,
desta maneira, um desejo de estabelecer uma nova ordem social ¾
consciência que faltava ao pícaro clássico. Frente ao gestual
paródico de Carlitos, o espectador pensa uma nova sociedade, sem
opressão, alimentada no amor e na amizade. É a categoria de rebelião
que se instaura, num processo que bem se compreende com as palavras de
Barthes, à luz do filme Tempos
Modernos:
Carlitos
em conformidade com as idéias de Brecht, ostenta a sua cegueira ao
público de tal modo que este vê simultaneamente o cego e o seu
espetáculo; ver alguém não vendo é a melhor maneira de ver
incessantemente o que ele não vê: assim nas marionetes são as
crianças que alertam o Guingnol para aquilo que ele finge não ver. Por
exemplo, Carlitos na sua cela, animado pelos guardas, leva a vida do
pequeno- burguês americano: lê o jornal de perna cruzada sob o retrato
de Lincoln; mas a própria suficiência adorável da postura
desacredita-a completamente, visto que se torna impossível procurar
refúgio nela, sem notar a nova
alienação
que ela contém (BARTHES,
1989, p.
32).
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Como anti-herói do orgiasmo, Carlitos pauta seu gestual pela
ociosidade e pela improdutividade, avesso a uma sociedade fundada no
poder capitalista e, sublinhando, de modo incisivo, que a gestualidade
de ser e estar no mundo também
é uma maneira de viver a vida. No desvio preguiçoso paródico do
personagem, em meio a uma época de grandes invenções, satiriza-se a
perda gradual do indivíduo no coletivo.
Na
ociosidade e na languidez do personagem vagabundo, observa-se uma paródia
satírica à produtividade do trabalho, explorado pela classe dos
privilegiados. Então, Carlitos exibe seu lúdico vagabundear,
perambulando pelas ruas, no jogo de esconde-esconde com o guarda, no
amar livre, conhecendo pessoas, divertindo-se, enfim, aproveitando o
tempo que passa. Carlitos utiliza-se, de seu gestual orgiástico para a
fruição do presente, do viver do carpe
diem, orientando sua vida pela ética do instante.
A
gestualidade mimética e a gestualidade lúdica posicionam-se como
transposições do significante de uma figura manifestante preexistente ¾
seja o próprio homem, mas também o animal, a planta ou outra mais ¾
para o corpo humano. Por meio do gesto, imita-se ou repete-se,
respectivamente, formas e situações figurativas fortemente codificadas
ou cristalizadas, muitas vezes, postuladas por regras preestabelecidas.
A gestualidade mimética baseia-se, portanto, ostensivamente, na imitação.
Por
este veio, além da gestualidade específica do vagabundo, Carlitos, na
improdutividade, Carlitos Repórter,
em que o personagem se caracteriza como um
falso aristócrata inglés,
personaje bufo predilecto del norte americano (LEPROHON,1961,
p.154) certamente, projeção de personagem do Music Hall inglês,
trazido pelo autor Charles Chaplin, como é descrito em sua biografia.
De fato, Carlitos apresenta-se aí como um típico vilão eduardiano:
cartola, monóculo, bigode grande e caído, fraque claro e longo,
gravata de laço, colarinho e punhos engomados, finas botas e uma
pequena bengala. Com este aparato, Carlitos adquire personalidade e de
acordo com a teoria de Barthes, torna
possível uma verdadeira combinatória de unidades caracteriais e
prepara, a bem dizer, tecnicamente, a ilusão de uma riqueza quase
infinita da pessoa, que em Moda se chama exatamente personalidade(BARTHES, 1979, p. 241).
Não
são poucas as cenas em que o personagem adquire gestos aristocráticos,
com ar de fidalguia, fazendo evoluções com a bengala, tirando
meticulosamente as luvas, furadas nas pontas, ou pegando resto de
cigarro dentro de uma lata de sardinha, tudo delicadamente, com um
gestual específico das boas maneiras da mais alta classe social.
A
semiótica considera o homem como um ser
em situação, descobrindo-se diferente do que o cerca, na medida em
que se relaciona com o mundo exterior, o que o leva a tomar consciência
de sua existência e de sua individualidade. Nesse espaço de
relações, a linguagem gestual estabelece uma dinâmica fecunda em
significações. Portanto, desvelar o jogo entre o ser e o parecer é
uma forma de satirizar o homem que, ainda no século XX, quer
estabelecer-se por pura aparência. Destarte, faz-se presente, em ecos
paródicos, o sonho do pícaro de mostrar-se como um “ homem de bem”
e possuir capa e espada. Carlitos inverte ironicamente a situação de
Lázaro, não se livrando dos trapos que o acompanham durante
anos, mas, ao mesmo tempo, vestindo-se com roupas que lembram um hombre
de bien do século XX.
Desta maneira, Carlitos satiriza pessoas que querem esconder
a miséria, através de disfarces e atitudes.
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No mundo extralingüístico
do cinema mudo, apesar da proeminência da linguagem gestual, outros
signos, mais ou menos explícitos, podem ser explorados, dentro do
sistema semiótico, haja vista o valor significativo que adquirem os
objetos na transcontextualização. Assim, a bengala, usada pelo
personagem nas mais diversas situações e utilidades, é, ao mesmo
tempo, sua espada, seu apoio, sua arma. Ajuda-o nas habilidades gestuais
lúdicas ¾
feitas também com o chapéu e com seus passos de pingüim ¾,
parodicamente, referendando a espada de Dom Quixote. Ostentada com
esnobismo, esta sua vara mágica, entra na composição de uma imagem
que lembra gestos de fidalguia e de vaidade.
Por
seu turno, o gestual comunicativo, como o nome indica, visa a
estabelecer, a manter ou a interromper a comunicação inter-humana.
Pressupõe a correlação emissor-destinatário e reforça, contradiz ou
substitui a camada informativa da linguagem. Nesta instância,
observa-se que, ao substituir a linguagem verbal, no cinema mudo, a
gestualidade comunicativa, sem excluir as outras funções, assume,
especialmente, a função referencial. Ao passo que, na obra literária,
esta gestualidade exerce, sobretudo, as funções fática e conativa.
Carlitos,
no seu gestual improdutivo, oposto ao eu ativo do herói modelar, que
fez a história nos séculos passados, surge como um anti-herói que se
afirma em meio a uma ordem confusional, libertando-se das amarras dos
modelos clássicos e rompendo o habitual racionalismo dos séculos
anteriores. O filme Tempos
Modernos mostra, em princípio o personagem Carlitos como operário de uma fábrica,
inserido, por uns tempos, na ordem e na lei do trabalho, exercendo sua
gestualidade prática como apertador de parafusos. Ao adquirir,
enlouquecidamente, tiques nervosos, o personagem, reduzido à reiteração
involuntária do gesto, denuncia, através do orgiástico movimento
incessante de construção, de superação e demolição, a alienação
do homem transformado em uma máquina fora de controle. Assim, o que se
percebe, assegura Barthes referindo-se textualmente ao filme, na obra Mitologias, é o
proletariado ainda cego e mistificado, definido pela natureza imediata
das suas necessidades, e a sua alienação total nas mãos dos senhores
(patrões e polícias)(BARTHES,
1989. p.31).
O estudo do cinema mudo atenta para as virtualidades das práticas
gestuais do ser humano. Aí o gesto ¾
signo arbitrário por excelência ¾
apresenta uma expressiva variante de sinonímica. A relação entre o
signo e o representado, excepcionalmente, motivada, reveste-se de um
alto grau de polissemia, já que o mesmo gesto pode traduzir mensagens
diferentes. A recusa do personagem à mecanização acaba por fazer
reinar a confusão, e a vida improdutiva explode através da loucura que
o faz sair da norma e voltar às margens. Tal recusa já se indicia
desde as primeiras cenas do filme, quando se percebe um carneiro preto,
em meio ao rebanho de carneiros todos brancos, que
se amontoam no campo. Esta cena encontra-se em similaridade com
uma outra, quando, entre homens e mulheres, animalescamente aglomerados,
à saída do metrô, camufla-se uma outra ovelha negra, Carlitos. Deste
modo, o gestual mítico do personagem sublinha
a sua recusa em participar do automatismo da multidão,
satirizando, assim, o severo treinamento do homem, segundo as convenções
da sociedade.
Roland
Barthes, em Sistema da Moda, propõe,
dentro da Semiologia, uma valoração
dos signos objectuais. Desta forma, no tocante à roupa de
Carlitos, ter-se-ia o que Barthes considera como uma “poética do
vestuário.” Carlitos, como homem de margem, apresenta um vestuário,
pela forma estrutural e institucional do costume, fora do tempo e do
espaço. Seu traje se insere na paródia gestual do herói, pois compõe
uma figura excêntrica, para além de qualquer forma "atualizada,
individualizada, usada". Sua
indumentária, em inversão irônica, consta de peças velhas,
ultrapassadas e deterioradas, mas denunciam
um passado respeitável. A gestualidade confusional do anti-herói
reflete-se na mistura de várias “modas”: calça muito larga e caída
sobre as botas, paletó curto e justo, chapéu de coco longo e pequeno,
botas excessivamente grandes com os pés trocados, gravata e colarinho
engomados e bengala de bambu. O personagem Carlitos apresenta-se, então,
como uma figura ambiguamente paródica, não só pelo anacronismo dos
trajes, mas também pela inversão da gestualidade, já que sua postura
de respeitabilidade não condiz com sua posição social marginal. Além
disso, a reiteração da mesma vestimenta, em quase todos os filmes,
enfatiza a circularidade do personagem, pois, como observa Barthes, uma
variação de vestuário produz uma variação de caráter (BARTHES,
1989, p. 241).
Tanto
a gestualidade mimética quanto a lúdica manifestam-se, via de regra,
associadas aos objetos, dentre o quais, um dos mais significativos é a
máscara. Carlitos, representa seu caráter de anomia de retraimento,
utilizando-se do duplo mascaramento: no gestual da figura do dândi com
sua vestimenta anacrônica e no mascaramento, propriamente dito, do
corpo e do rosto. A máscara dissimula, encobre e engana. Assim, na sua
máscara facial, imensamente branca como se estivesse enfarinhada ¾
chamada por Bazin de máscara
lunar ( BAZIN, 1989, p. 54), guarda um certo ar de melancolia. Em
contraste com a palidez do rosto, surgem olhos muito profundos, rodeados
por um círculo muito negro. Compõe, ainda, a máscara um bigode
pequeno, espesso e recortado,
colocado bem junto ao nariz que lhe dá, segundo alguns críticos, um ar
de vaidade. A máscara do rosto prolonga-se para o corpo, no anacronismo
confusional de sua vestimenta. A esta combinação de elementos,
completamente díspares, junta-se o mascaramento em preto e branco do
gestual em seu andar bamboleante de um pingüim. Reforça-se, pois, o
distanciamento crítico do espectador frente a um personagem com aspecto
caricaturesco do homem. |
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Para Bakhtin, a máscara
encarna também o princípio de jogo da vida e está baseada numa
peculiar inter-relação da realidade e da imagem, e, desta forma, as
manifestações paródicas, a caricatura, a careta, as contorções e as
macaquices são derivadas da máscara. Ela é, ainda, segundo Pierre Leprohon:
la caricatura de nuestras calamidades, de nuestros ridículos y de
nuestras torpezas (LEPROHON, 1961, p. 52).
Por
outro lado, o gestual trapaceiro e astucioso do personagem, aliado ao
matiz negro, que prevalece na figura do personagem, traz ressonâncias
da raposa negra, que, no simbolismo estudado por Jean Chevalier,
apresenta-se: “ativa, inventiva, independente, audaciosa, medrosa, inquieta,
desenvolta, encarnando as contradições inerentes à natureza humana”
(CHEVALIER, 1990, p. 769).
Sabe-se
que o complexo simbolismo da máscara é inesgotável. Numa análise
zoomórfica, a raposa/pingüim Carlitos é capaz de simbolizar:
agregador anti-herói do orgiasmo ou cúmplice de fraudes, em inumeráveis
mitos, tradições e contos pelo mundo, conotando, assim, uma ambivalência
já há muito conhecida.
O
gestual da quixotada vem acompanhado dos trejeitos de olhos, do andar de
pingüim, das evoluções com a bengala, dos ajustes na roupa e da própria
postura anacrônica de lorde. Carlitos, com faces quixotescas, também
se comporta como um bufão, nas roupas e na gestualidade: quando soldado
caminha em descompasso com a tropa; no baile, tem um cachorro amarrado
às calças; como ladrão é roubado por outro ladrão. Se encontra
algum dinheiro, acaba logo por perdê-lo.
A
gestualidade lúdica se processa, ainda , nos exemplos dos quiproquós
das perseguições, das idas e vindas, das corridas amalucadas, da fuga
da polícia, ostentando-se, aí, a alegria dionisíaca do personagem. O
barulhento Dionísio mostra, desta maneira, também estar presente na
gestualidade lúdica de Carlitos dos primeiros tempos, em meio ao burlesco agressivo e jovial,
às piruetas, aos tombos, às perseguições, o que consigna bem sua
liberdade instintiva confusional.
No
riso agremiador do orgiasmo existe o poder criador de transformação e
rebeldia. É o que se vê, na fábula do príncipe encantado de A
Corrida do Ouro e de Luzes da Cidade, quando o personagem
nos permite assimilar, através do gestual lúdico, muitas coisas
interditadas para o sério, numa amostragem antitética de situações
de riso para uns e de lágrimas, para outros, especialmente para aqueles
acostumados a conviver com a desilusão, a desesperança e a fome. Então,
ri-se da própria miséria, conforme os dizeres de Vasco Vidal: Riso
de todas as formas - riso alvar, riso até as lágrimas, rir da
pantomima, do simples ‘fait divers’,da dor e rir, até se for
preciso da própria miséria (VIDAL, 1954, p. 15).
Na
tipologia de Greimas, o gestual comunicativo se nutre da gestualidade
atributiva, modal, mimética e lúdica. O conteúdo da gestualidade
atributiva manifesta-se graças a um código de expressão, subjacente
às manifestações móveis do corpo humano, encobrindo e revelando
estados interiores fundamentais, quais sejam: a alegria, a tristeza, o
medo, o ódio, o amor.
Por
meio da gestualidade atributiva não se formulam enunciados sobre o
mundo. Entretanto, o enunciado sintético, da natureza do “ser”, é
tão mais fecundo quanto mais o homem se vê tolhido em manifestar suas
emoções através da linguagem verbal, tal como ocorre no cinema mudo. |
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Nos filmes O Garoto,
Vida de
Cachorro e Luzes da Cidade a manifestação da gestualidade atributiva, com forte
conotação emocional, filantrópica e amorosa, encontra-se na visão utópica
do real e do irreal, onde um Carlitos-Quixote consegue, com as inovações
de vagabundo, que se faz cavaleiro e cavalheiro, no jogo de protetor e
protegido, efetuar, no exercício da realidade oscilante, o que antes
ele consideraria irreal.
Carlitos
se dá o direito de ir e vir, em renovação total da gestualidade prática.
Ao trilhar o caminho da aventura, Carlitos faz uso de um gestual
ágil, mas também astucioso e oportunista, o que o torna,
picarescamente, disponível perante a vida.
Com
Carlitos, o corpo erótico contrapõe-se ao corpo, enquanto instrumento
de produção, avizinhando-se de Dom Quixote, ao mostrar que qualidades
como a indulgência, a passividade e a perda de sentido mais geral
merecem mais atenção do
que o eu ativo.
Vale
pontear que nos filmes de Charles Chaplin, particularmente, da linguagem
gestual promana uma sedução extraordinária, pois exige-se a
cumplicidade do espectador que deve descodificar, nas virtualidades da
prática gestual, a estrutura paródica e preencher os vazios
comunicativos.
Referências
bibliográficas
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