ARTÍCULO ON LINE
68 |
Imagens da Revolução Mexicana |
|
Nombre del Autor: Geysa Silva |
||
geysas@ig.com.br |
||
Palabras
clave: Novela
histórica, interacción palabra/imagen, arte mexicana. |
||
Minicurrículo: Doctora en Teoría de la Literatura. Profesora de Teoría de la Literatura de la Universidade Federal de Juiz de Fora. Coordinadora del curso de Especialización en Estudios Literarios (UFJF).Coordinadora de Maestría en Letras de la Universidade Vale do Rio Verde. Entre artículos publicados, están: A trama do medo e as máscaras da loucura (sobre Yo el Supremo, de Roa Bastos); Mal de amores, um transbordamento feminino. |
||
Resumo:
Sem ser romance histórico propriamente
dito, a obra Mal de amores, de Ángeles
Mastretta, propõe uma leitura livre do episódio da Revolução Mexicana,
reinventando o passado, preenchendo os vazios deixados pela história
oficial. O importante, sem dúvida, é a articulação que Mal de
amores realiza, através da integração
palavra/imagem, com as obras de Siqueiros e Rivera, conseguindo a
re-semantização da Conquista e da própria Revolução - possibilidade
originada das relações entre a estrutura do espaço visual e do espaço
da escritura. |
||
Resumen:
Sin ser novela histórica, hablando
propiamente, la obra Mal de amores,
de Ángeles Mastretta, propone una libre lectura del episodio de la
Revolución Mexicana, reinventando el pasado, colmando los vacios dejados
por la história oficial. Lo significativo sin embargo es que Mal
de amores se sigue articulando a través
de la interacción palavra/imagen com las obras de Siqueiros y Rivera,
llevando adelante el proyecto de resemantización de la Conquista y de la
Revolución misma - possibilidad originada de las relaciones entre la
estructura del espacio visual y la estructura del espacio de la escritura. |
Ter
uma identidade seria, antes de mais nada, ter um país, uma cidade ou um
bairro, uma entidade em que tudo o que é compartilhado pelos que habitam
esse lugar se tornasse idêntico ou intercambiável. Nesses
territórios a identidade é posta em cena, celebrada nas festas e
dramatizadas também nos rituais cotidianos (CANCLINI, 1998, p.190). No
romance ou nos murais, esses artistas nos dizem o que é o México, em sua
diversidade, desnaturalizando a cultura e oferecendo ao público o
sincretismo religioso e político, que desliza do catolicismo para as crenças
indígenas, do positivismo para a crença na revolução modernizadora;
para eles, os artistas, o mais importante é a criação de testemunhos da
História, contrapor aos monumentos da barbárie,
de que falava Benjamin (1985, p. 225), produtos culturais capazes de
preencher o vazio deixado pela dupla derrota, perante o colonizador e
perante as oligarquias locais. Essa busca pelo reconhecimento de si mesmo,
conduz ao passado histórico,tornando-o presente para revelar que o
regresso pode ser um progresso. Por isso Mastretta, Siqueiros e Rivera
apelam para o signo ideológico, passível de diferentes conexões e que
traz à tona uma História com a possibilidade de rearticular-se
discursivamente. Essa História é o elo que os une, apesar do espaço de
tempo que os separa. A esse respeito, Carlos Fuentes declara: Tenemos
que recuperar todo ese pasado no
escrito es el pasado que se nos escamoteó por la censura, por la
Inquisición; por el olvido, por muchos factores. De ahí el poder de
muchísimas novelas, y una novela como Cien años
de soledad é que es? sino el enorme esfuerzo de memoria, de
recuperación del pasado, de darle imaginación a lo no dicho del pasado (FUENTES, 1989, p. 258). Seguindo
essas pegadas, Ángeles Mastretta nos oferece, em Mal de amores,
um romance-painel, em que a história da família Sauri se confunde com a
própria História do México, tendo, como pano de fundo, a Revolução.
Assim, a trama romanesca vai compondo uma história não revelada
oficialmente, concretizada numa ficção que reconstrói, não fatos, mas
situações narradas ao longo dos anos, por gerações sucessivas, num tom
memorialístico, quase confessional, que confere ao narrador o poder de
falar com a autoridade de quem ainda sente o frêmito revolucionário. E
é, movida por esse frêmito e tomada pela paixão, que Ángeles Mastretta
vai escrever seu livro, na urgência de celebrar a solidariedade do
individual com o coletivo; porque Mal de amores
é, antes de tudo, um romance sobre a paixão: paixão amorosa, paixão
pelo povo, paixão pela pátria. Observe-se esta fala de Emília Sauri: Por
que os homens cresciam para virar estranhos, para que fossem tomados por
essa paixão política que dava a ela o mesmo terror que dava à sua mãe? Por
que estava ouvindo Daniel contar uma tragédia atrás da outra, e em vez
de tapar os ouvidos e correr para se esconder, continuava quieta e calma
como se ainda o escutasse ao lado do laguinho contando suas façanhas da
semana? (MASTRETTA, 1997, p. 80). A
pluralidade de paixões é apresentada por um narrador onisciente, como se
todas as cenas fossem vistas por um observador ideal, que vai pintando seu
afresco, preenchendo-o com a corporeidade das figuras que se recusam a ser
etéreas e mostram-se tão sólidas como a própria paisagem em que se
situam. Ao invés do realismo maravilhoso, que foi uma das marcas do boom
hispano-americano, tem-se agora um apelo direto à história, que se quer
contada e só o componente ficcional consegue diluir, mas, não, apagar.
Essa história exige a representação do território em que se desenrola,
tornando-o um elemento imprescindível para a compreensão de uma cultura
que, embora não sendo homogênea, permite que se estabeleçam com ela
diferentes identificações. |
|||
A
primeira cor que os olhos de Diego Sauri viram foi o azul, porque tudo ao
redor de sua casa era azul e transparente como a própria glória. Diego
cresceu correndo entre a relva e rodando sobre a areia invencível,
acariciado pela água de umas ondas mansas, como um peixe entre peixes
amarelos e violetas. Cresceu brilhante, polido, coberto de sol e herdeiro
de uma ambição sem explicações. (MASTRETTA, 1997, p. 8). A
integração evidente entre personagem e território pode ser também
notada no quadro Mãe camponesa, de
David Siqueiros.
Realizado
em 1930, Mãe camponesa exibe a estética da modernidade, que busca inspiração no trivial,
no fragmento e no feio, e nas raízes telúricas e culturais. Uma atmosfera
hostil de abandono circunda como uma aura invisível essa mãe que é o
reverso das madonas renascentistas; nela, forma e conteúdo se fundem, numa
diferenciação impossível. A esse respeito, afirma Maria Zenilda
Grawunder: Ressaltando
que a questão da relação entre forma e conteúdo, colocada de modo
deficiente em relação à obra singular, nunca pode ser resolvida com
precisão, Walter Benjamin, observa que forma e conteúdo não são
substratos de conformação empírica, mas, antes, diferenciações
relativas [...]
(GRAWUNDER,1996, p. 94). A
mescla de cubismo e primitivismo pré-colombiano exibe a nostalgia do
pintor, que atribui à tela um volume escultural, na unidade esquemática
do desenho e na ausência de elementos decorativos. A regularidade do
motivo curvilíneo reitera a planura do deserto, enquanto o vermelho
mantém o fundo distintamente separado das figuras à frente dele.
Abandona-se o realismo puro e simples para representar a visão pessoal do
artista, que não é só a representação de cenas político-sociais, e,
sim, a reflexão sobre elas. O
humano e a natureza são os signos de um México que surge dramaticamente
para o mundo, desmascarando-se, embora através do imaginário do artista;
esses elementos interligados conseguem expressar o labirinto da
solidão. A importância dessa
interligação pode ser confirmada pelas palavras de Gillo Dorfles: Toda
a tela pintada adquire um mesmo valor; cada parte dela adquire sua
propriedade de signo; por isso não poderemos mais conceber um objeto -
ainda que abstrato, imaginário - mergulhado em uma superfície amorfa,
neutra, que lhe sirva apenas de suporte; mas teremos de conferir também a
essa superfície o valor de "protagonista"
(DORFLES, 1992, p. 81). |
|||
Aquela
mulher tinha apenas dois anos a mais que ela, nunca tinha visto outra
coisa além de abandono e fome, infâmias e maus tratos, [...] ter vinte
anos, cinco partos, três filhos mortos e dois vivos, nenhum cônjuge
fixo, nenhuma casa além do quarto onde se amontoava com uns parentes lá
pelo bairro de Xonaca, nada parecia entristecê-la mais do que a
entristecia estar raquítica e torta, medir a mesma coisa que uma criança
de onze anos e carregar pelo mundo a sexta gravidez de um homem que não a
comoveu nem por uma única noite. Apaixonar-se? Que invenção era essa?
(MASTRETTA, 1997, p. 210). O
elemento social, que se pode depreender desta cena, não é uma categoria
de juízo estético, é, antes, um dado que antecede a obra e pode
respaldar sua análise. A maneira simples de narrar torna-se a
formatividade específica do romance, conferindo a Ángeles Mastretta a
singularidade de um estilo, capaz de retratar costumes, idéias e aspirações
do ambiente em que vive a romancista e também suas reações pessoais,
sua vida interior. É preciso salientar que Mal
de amores cultiva a claritas ou clareza da
forma, de que falavam os medievais, como São Tomás de Aquino e Alberto
Magno, uma clareza sem a qual não se atinge o belo. Nisso está implícita
uma concepção da obra de arte como dialética entre formas tradicionais
e inovadoras, uma tensão que deixa entrever o processo cognitivo do
artista e realiza a comunicabilidade de suas intenções. Afastando-se do
experimentalismo, Ángeles Mastretta não manifesta uma crise da arte; faz
a opção por um discurso mais inserido em sua realidade histórica, na
concreticidade de um terceiro mundo,
como se dizia até pouco tempo ou mundo em desenvolvimento
como se diz agora. A opção é evidente e torna a autora responsável por
ela, pois sempre há vários caminhos a seguir. No dizer de Umberto Eco: A
moralidade, a força do artista, mede-se no ato de situação por
situação, escolher a sua solução, aceitando o juízo da história.
Pode ser Joyce ao escolher desinteressar-se de tudo quanto sucede à sua
volta [...], porque sabe que está a elaborar uma linguagem capaz de
representar um mundo no qual havemos de viver um dia. Ou pode ser a
escolha de Bretch que, temendo que falar de árvores seja um crime,
decide, pelo contrário, denunciar os horrores do mundo em que vive. (ECO,
1995,
p. 241). Influenciada
pela tradição de seu ambiente cultural e pelos monumentos artísticos de
que toma conhecimento, Mastretta faz-nos conhecer o presente e o passado,
unindo o elemento criativo ao interpretativo. Interpretar a História
parece também a razão de ser da obra Do Porfirismo à
Revolução,
de Siqueiros.
Assim,
sentir-se só possui um duplo significado: por um lado, consiste em ter
consciência de si; por outro, um desejo de sair de si. A solidão, que é
a própria condição de nossa vida, surge para nós como uma prova e uma
purgação, no fim da qual a instabilidade e a angústia desaparecerão. A
plenitude, a reunião, que é repouso e felicidade, e a concordância com
o mundo, nos esperam no fim do labirinto da solidão (PAZ, 1976, p.
175-176). Aqui, a deformação, mais nítida que em Mãe camponesa, funciona plenamente, alongando desmesuradamente cavaleiro e cavalo, imprimindo à obra um clima de transgressão da estética tradicional [a forma utilizada é o que os italianos chamam de sotto insù, ou seja, de baixo para cima, o que empresta monumentalidade ao quadro]. Poder-se-ia dizer de Siqueiros que, num impulso antropofágico, deglutiu os ensinamentos de Paul Klee, adaptando-os à realidade ibero-americana. As inovações trazidas por Klee são comentadas por Gillo Dorfles: [...]
Klee reconhece, ele próprio, à linha o valor de medida,
claro-escuro o valor de peso,
à cor o valor de qualidade e
admite, então, implicitamente, que seu ductus linear seja acompanhado de
uma gradação de valores tonais (oferecidos pelo claro-escuro) e de
valores tímbricos oferecidos pela diferente qualidade da cor. O
caminho e o percurso, eis o que nos diz e nos revela a linha de Klee: a
sua vontade de introduzir na pintura moderna aquela dimensão de que hoje
mais do que nunca se perceba a presença (DORFLES, 1992, p. 88-89). |
|||
Outra
é a opção formal de Diego Rivera. O motivo ainda é a Revolução, porém
diferente foi o caminho trilhado para representá-la, como se pode
observar nesse fragmento do afresco denominado Sueño de una tarde
dominical, en la Alameda Central,
executado entre 1947 e 48.
refreiam
o ímpeto das anteriores. Em qualquer caso, sua ilustração de um mundo
infernal abrange o ódio de seres brutalizados pela luta inglória, no
heroísmo que se confunde com o crime. A essa banalização da crueldade, Ángeles Mastretta opõe a personagem Diego Sauri, pacifista radical que, mesmo numa situação extrema, se recusa a pegar em armas. Eis suas - A proibição absoluta de matar um ser humano deve ser o
princípio de qualquer ética coerente. Ninguém tem o direito de matar
alguém - disse como havia dito sempre que precisava de um argumento para
se opor à guerra. - Você fala como
se houvesse algum outro remédio - respondeu Milagros. - Algum deve
haver. Eu não quero ser herói. O heroísmo é um culto ao assassinato -
sentenciou ele (MASTRETTA, 1997, p. 191). Se
o romance de Mastretta propõe um menor desafio que os murais de Siqueiros
e de Rivera, ganha, em troca, a espontaneidade surpreendente, que foi
reconhecida quando lhe outorgaram o prêmio Rômulo Gallegos. É preciso recordar que há uma arte da angústia e outra, da
placidez. Mastretta segue construindo sua literatura, manejando a palavra
sem as sombras do hermetismo, mostrando-se autêntica mexicana, na
narrativa de Puebla e autenticamente feminina na narrativa dos amores de
Emília Sauri, amores nunca fracassados, sempre arrebatadores.
|
|||
Bibliografia BENJAMIN,
Walter. Obras escolhidas. Magia e
Técnica. Arte e política. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985. CANCLINI, Néstor
Garcia. Culturas híbridas. São
Paulo: Ed.USP, 1998. DORFLES, Gillo. O
devir das artes. São Paulo: Martins
Fontes, 1992. ECO, Umberto. A
definição da arte. Rio de Janeiro:
Elfos, 1995. FUENTES, Carlos. Eu
e os outros - ensaios escolhidos.
Rio de Janeiro: Rocco, GRAWUNDER,
Maria Zenilda. A palavra mascarada. Sobre a alegoria.
Santa Maria: Ed. da UFSM, MASTRETTA, Ángeles.
Mal de amores. Rio de Janeiro: Ed.
Objetiva, 1997. PAZ,
Octavio. O labirinto da solidão e post. Scriptum.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. Reproduções SIQUEIROS,
David Alfaro. Mãe camponesa e Do
porfirismo à revolução. Gênios da
Pintura, no 63. São Paulo: Abril Cultural, pranchetas I e
XII. RIVERA,
Diego. Sueño de una tarde dominical en la Alameda Central.
Cartão postal. Fotografia de José Villalobos.
|