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casa dos Espíritos: Narrativa Literária e Narrativa Fílmica |
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Nome do Autor: Maria Thereza da Silva Venancio |
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mtvenancio@censanet.com.br |
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Palavras-chave: Literatura - Cinema - Fantástico |
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Minicurrículo: Livre Docente em Literatura Espanhola - UFF. Fundadora da Faculdade de Filosofia de Campos - RJ. Professor Titular de Língua e Literatura Espanhola da Faculdade de Filosofia de Campos - FAFIC. Professora de Língua Espanhola da Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF. VIce-Presidente Fundadora da Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro - APEERJ. |
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Resumo: Em entrevista concedida à imprensa, por ocasião do lançamento, no cinema, de A Casa dos Espíritos em Santiago do Chile, Isabel Allende, depois de afirmar que havia gostado muito do filme, embora percebesse nele um tom melancólico escandinavo, acrescentou: “ não comparem o meu livro com o filme porque eles são coisas diferentes”. Levando-se em consideração a diferença dos discursos — o literário e o fílmico —, por se utilizarem de instrumentos expressivos desiguais: a palavra e a imagem, entende-se a liberdade de um roterista de valer-se da história de um romance, uma novela ou um conto e criar outro discurso com as potencialidades que a chamada sétima arte oferece. Pensando na autonomia das artes, pretende-se refletir sobre os acordos e desacordos que o livro e o filme apresentam. Aborda-se o tema do gênero fantástico, mais presente no livro que no filme, apontando-se a ausência, neste último, do contexto sóciocultural hispano-americano, explicável, talvez, por tratar-se de produção híbrida, cuja realização esteve a cargo de um dinamarquês, um alemão e um sueco. Os intérpretes são ingleses, estadunidenses e um espanhol. As filmagens foram feitas com locações em Portugal e Dinamarca. A poda e/ou a condensação de personagens, a supressão de componentes espaciais observados no filme, bem como, o valor sugestivo e contextual dos nomes de alguns personagens de ambas as narrativas constituem igualmente objeto deste estudo. |
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Resumen: En entrevista concedida a la prensa, cuando se dio el estreno, en el cine, de La Casa de los Espirítus en Santiago de Chile, Isabel Allende, después de afirmar que el filme le había gustado mucho, aunque percibiera en él un tono melancólico escandinavo, añadió: “no comparen mi libro com la película porque ellos son cosas distintas”. Llevándose en cuenta la diferencia de los discursos — el literario y el fílmico — pues se utilizan de instrumentos expressivos diferentes: la palabra y la imagen — se entiende la libertad del guionista de valerse de la historia de una novela o un cuento y crear otro discurso con las potencialidades que la llamada séptima arte ofrece. Pensando en la autonomía de las artes, se pretende reflexionar sobre los acuerdos y desacuerdos que el libro y la película presentan. Se intenta plantear el género fantástico, más presente en el libro que en el filme, apuntándose en éste último la ausencia del contexto sociocultural hispanoamericano, explicable, quizás, por tratarse de producción híbrida cuya realización estuvo bajo la responsabilidad de un danés, un alemán y un sueco. Los intérpretes son ingleses, estadounidenses y un español. Las filmaciones fueron hechas en Portugal y Dinamarca. La poda y/o la condensación de personajes, la supresión de componentes espaciales observados en el filme, así como el valor sugerente y contextual de los nombres de algunos personajes de las dos narrativas constituyen igualmente objeto de este estudio. |
INTRODUÇÃO Levando-se
em consideração a diferença dos discursos ― o literário e o fílmico
― por se utilizarem de instrumentos expressivos diferentes: a
palavra e a imagem , esta em interação com o som, entende-se a
liberdade de um roteirista de valer-se da história de um romance,
novela ou conto e criar outro discurso, com as potencialidades que a
chamada sétima arte oferece. Não se trata de uma traição do roteirista
ao autor, trata-se, ao contrário, de uma homenagem: vestir de imagens uma história
já escrita e lida e oferecê-la para ser vista por um
número incontável de pessoas. O
LIVRO O
romance de Isabel Allende ― La casa de los espíritus ―
com que a autora ficciona a vida de ancestrais seus, conta a saga da família
Trueba e se passa no Chile ― país identificável pelo leitor
por coincidências com os acontecimentos políticos que o livro revela. Esteban
Trueba, um jovem ambicioso, dispõe-se a trabalhar arduamente em uma mina,
durante dois anos, para fazer
fortuna e assim poder casar-se com Rosa. Mas ela morre subitamente,
depois de uma premunição da irmã Clara. Esteban desgostoso,
abandona a mina e passa a viver só, numa velha fazenda abandonada. Torna-se
um latifundiário rico, poderoso, cruel e reacionário. Vários
anos depois da morte de Rosa, Esteban se casa com Clara, que era dotada
de poderes mágicos. Levam para a casa da fazenda a irmã dele, Férula.
Nasce Blanca que, na infância, brinca com Pedro, filho do
capataz, o que leva o pai a mandá-la para o internato, com medo de que ela
se “misturasse” com os nativos. O casal tem mais dois filhos ― os
gêmeos Jaime e Nicolás. Esteban tem ciúmes da amizade de Clara com
Férula e expulsa a irmã de casa. Quando Blanca volta do internato torna-se
amante de Pedro, então líder da rebelião dos empregados e futuro ativista
político. O jovem é banido da fazenda pelo patrão. Trueba teve ainda um
filho ilegítimo com uma camponesa, um jovem estranho, que sempre reaparece
misteriosamente para pedir dinheiro ao pai rico e que cumprirá depois um
papel importante na história. Informado
pela mulher de que Blanca estava grávida, Esteban, que tinha ambições políticas
e não queria “manchas” na família, a obriga a casar-se com um pretenso
conde francês. Pedro e Blanca lutam por justiça social e depois saem do país.
Alba segue o caminho dos pais e é presa e torturada. Como
pano de fundo desta saga familiar, está a história do Chile em boa parte
deste século, culminando com o golpe militar de 1973. Catorze
capítulos e um epílogo integram o romance, que é narrado por três
personagens: Esteban Trueba, Clara, em seus cadernos de anotar a vida, e a
neta deles ― Alba. Verifica-se um desdobramento do
narrador-personagem, alternando com um narrador onisciente ―
multiplicidade que se aponta como apropriada à narrativa fantástica. O livro começa e termina com a mesma frase: Barrabás llegó a casa de la familia por via marítima (ALLENDE, 1955, p. II e p. 453), ― estrutura circular que dá idéia de divindade, ou seja, de algo que não tem começo nem fim. |
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O
FILME O
filme foi realizado em 1993 pelo dinamarquês Bille August, que acumulou as
funções de diretor e roteirista. As filmagens foram tomadas com locações em Portugal (exteriores) e Dinamarca (interiores). Os intérpretes são: americanos, ingleses e um espanhol, Antonio Banderas ― o único latino entre os principais membros do elenco. O produtor é alemão, o diretor de fotografia é sueco. Trata-se,
pois, de produção híbrida na qual a latinidade, ou melhor, o contexto
sociocultural latino-americano se acha totalmente ausente. Indagado
por um repórter sobre o porquê de um diretor dinamarquês filmando um
livro sul-americano numa produção alemã, usar a língua inglesa, Bille
August justifica: o filme está orçado em 25 milhões de dólares e ninguém
no mundo financiaria esta cifra para um filme espanhol. Acrescenta que
“Hamlet” é uma história dinamarquesa e foi filmado em inglês. Pondera
ainda o premiado diretor: Quem assistiria a “O Último Imperador” se
fosse rodado em chinês? ( Folha de São Paulo, pp.3-4) O
diretor bem que se esforçou por penetrar num universo sul-americano de
amores proibidos, vingança, misticismo, opressores e oprimidos e de golpes
militares, entretanto, o filme não contém o “sabor latino” do livro.
Esta circunstância levou alguns integrantes de origem hispânica,
residentes nos Estados Unidos, a organizarem um protesto contra a ausência
de profissionais desse grupo étnico no elenco técnico e artístico de La
casa de los espíritus. Pedia-se à considerável parcela latina do público
norte-americano que não assistisse ao filme. Quando
o filme foi lançado no Brasil e nos Estados Unidos, a crítica
especializada considerou a parte técnica de primeira qualidade: o desenho
de produção, o guarda-roupa, a fotografia e a música. Por outro lado,
julgou que o elenco, apesar de grandes nomes, não é coeso, considerando a
superioridade das atrizes sobre os atores. A
censura maior recaiu sobre o roteirista-diretor, considerado despreparado
para trabalhar sobre um texto que aborda o contexto latino-americano.
Em entrevista à imprensa concedida por ocasião do lançamento do filme, em
Santiago do Chile, Isabel Allende, depois de afirmar que gostou da adaptação,
embora a achasse impregnada de um tom melancólico escandinavo, asseverou: não
comparem o meu livro com o filme, porque eles são coisas diferentes
(ALLENDE, O Globo, caderno 2, p.2) O filme começa e termina com a mesma cena: Esteban Trueba já velho chega a casa da fazenda “Las Tres Marías” com a filha Blanca e a neta Alba pela mão ― a mesma estrutura circular do livro. Blanca começa a narrativa e não a interrompe em nenhum momento. Bille
August disse que quando leu o livro teve o mesmo encantamento de um menino
diante de uma sala cheia de brinquedos. Pensou em fazer o filme mas não
sabia por onde começar. Entendeu que a mensagem do livro era a habilidade
em perdoar e a recusa à vingança.Direcionou o seu trabalho neste
sentido e omitiu muitos elementos importantes da obra-tema. Podou
personagens (Rosa, a linda jovem de cabelos verdes, os dois irmãos de
Clara, o Tio Marcos, o cão que depois se transformou em tapete). Condensou
ou misturou papéis (quem é presa e torturada é Alba e não a mãe Blanca,
como no filme), não destacou a força das mulheres das várias gerações:
Blanca e Alba se dedicaram à ação política por convicção e não apenas
por amor aos seus respectivos parceiros, Clara não se conformava com as
atitudes machistas do marido e as injustiças praticadas por ele contra os
camponeses. Nívea, avó de Blanca, ― primeira feminista do país
― lutava pelo voto das mulheres. A
omissão mais surpreendente é a da Casa da Esquina ― a verdadeira
casa dos espíritos da incrível invenção de Isabel Allende. Foi mandada
construir por Esteban para ser a residência do casal. Tinha todo o luxo e
riqueza imagináveis. Transformou-se, depois que Esteban ficou na fazenda e
Clara com os filhos na casa, em um mundo encantado onde tudo ocorria. Clara
acolhia pessoas, dirigia reuniões com rosacruzes, espiritualistas,
adventistas do sétimo dia, grupos de tarô. Os filhos punham em prática
suas excentricidades: aulas de artesanato para as crianças mongolóides, as
tentativas frustradas de imitar a mãe em seus poderes, no estudo e na prática
de crenças estranhas. O
roteirista acentuou o drama e omitiu o humor (tão próximo do fantástico)
de muitas passagens do livro que surpreendem e seduzem o leitor. Assim,
Clara, quando foi agredida pelo marido, perdeu alguns dentes e como a prótese
que mandara fazer a importunava, ela pendurou-a em uma fita no pescoço e só
a colocava para comer ou nas festas. O
ESPAÇO DO FANTÁSTICO Os
autores de obras sobre a arte e a literatura fantástica julgam temerária
qualquer tentativa de delimitar o território do fantástico em relação a
domínios vizinhos como os do estranho, os da tragédia, os da poesia. Já
se disse que a literatura fantástica é filha de incredulidade. Todorov
afirma que o que define o gênero é o caráter duvidoso dos acontecimentos
sobrenaturais, entretanto, este conceito vem sendo contestado por outros teóricos
como Ana Maria Barrenechea, para quem o fantástico inclui obras em que se duvida
se os acontecimentos se deram e outras em que se afirma inquestionavelmente
sua ocorrência no espaço narrativo. Para ela, a obra fantástica deve
apresentar simultaneamente acontecimentos que se inserem uns, no campo do
normal, e outros, no do anormal, num determinado tempo e lugar, em convivência
problemática, ou seja, conflitiva para Outro
estudioso da arte e literatura fantástica ― Louis Vax afirma que a
narrativa fantástica apresenta homens comuns que se encontram
repentinamente diante do inexplicável. Acrescenta ainda que um conflito
entre o real e o possível sustenta o gênero e que a arte fantástica deve
introduzir terrores imaginários no mundo real. Invocar
o fantástico é invocar absurdo e o contraditório (VAX, 1973). Entretanto,
o que parece sobrenatural em uma época, será considerado normal em outra.
Assim perde o caráter fantástico o impossível realizado, como as
conquistas obtidas através do telefone, dos vôos espaciais, da televisão,
do fax, computador, etc. Não
se pode falar de textos fantásticos sem relacioná-los com o contexto
sociocultural em que são produzidos. As crenças dos homens não costumam
ser as mesmas em tempo e espaço diferentes. Os
contos modernos apresentam os mesmos temas das narrativas tradicionais que as
pessoas do campo ouviam dos mais velhos. Aparecimentos de mortos,
lobisomens, vampiros, homens maléficos, o mau olhado, retratos que cobram
vida, estátuas viventes, bonecas ou manequins animados, as partes do corpo
separadas com vida independente, as perturbações da personalidade ―
o mistério “feminino” que expressa a confusão do homem diante da
companheira que não o compreende ―, homens que atravessam muros, são
alguns dos muitos temas fantásticos enumerados por Louis Vax ( VAX, 1973). O aparecimento de um elemento sobrenatural em um mundo sujeito à razão pode definir a literatura fantástica. |
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PERSONAGENS
E SEUS NOMES Para
mostrar a inserção de La casa de los espíritus no espaço da
literatura fantástica, torna-se pertinente aludir-se à configuração de
alguns de seus personagens. Barrabás era um cão de raça
desconhecida, que foi levado à casa dos pais de Clara ― Severo e Nívea
del Valle ― junto com os pertences e o cadáver do tio Marcos.
Chegou esquelético, coberto com os próprios excrementos. Um ano depois
tinha a dimensão e o focinho de um potro. As pessoas supunham que ele era
filho do cruzamento de um cão com uma égua, e que podiam aparecer-lhe
asas, cornos e bafo de um dragão. Tinha a cabeça quadrada e as patas de
crocodilo. Inspirava medo apesar de sua mansidão de donzela. A imaginação
popular lhe atribuía características mitológicas. Acreditava-se que ele
cresceria indefinidamente. Rosa, a filha mais velha do casal del
Valle tinha os cabelos verdes e a beleza de fundo de mar. Várias partes de
seu corpo se assemelhavam às de outros seres. As pernas eram tão brancas e
juntas que, se tivessem escamas, pareceriam a cauda de uma sereia. Ao contrário
de Penélope, que tecia e destecia enquanto aguardava a volta do amado
Ulisses, Rosa continuava bordando a mesma toalha ― a maior do
mundo ― e cada vez ampliava mais as figuras que desenhava sobre o
pano. Rosa morreu envenenada e foi necropsiada na cozinha da casa, sobre a
mesa onde Ana preparava os alimentos. Clara
assiste espantada, pela fresta de uma janela. Aos olhos da menina, o médico
da família, de ventre opulento e farta barba, que abria a barriga da irmã,
transformou-se em um vampiro gordo. Clara vivia num mundo inventado por ela, onde se confundiam a realidade e o sonho e onde as leis da física e da lógica nem sempre funcionavam. Como
previu uma morte acidental na família e o segredou à irmã, Clara sentiu-se
culpada e resolveu não falar mais para evitar outros acontecimentos. A geração
de uma menina ― Alba ― a morte trágica dos pais, a
localização da cabeça da mãe, morta em um acidente, em local distante, são
alguns dos vários pressentimentos de Clara, que previu a própria
morte. Desde menina, movia os objetos com um simples olhar, movia as teclas
e tocava Chopin com a tampa de piano fechada, decifrava sonhos, lia cartas,
fazia experiência com mesa de pé-de-galo, invocava fantasmas que
aterrorizavam a família e os criados. O
tio Marcos tinha dentes
de tubarão, passava a noite fazendo movimentos incompreensíveis, fazia
experiências de alquimia na cozinha. A mãe de Esteban ― Ester
Trueba ― tinha os dedos em garfo e os pés descomunais. Quando
estava para morrer, as pernas se cobriam de chagas, donde las larvas de
moscas y los gusanos hacían nidos y cavavan túneles (Allende, 1995, p.
98). Pedro García, o avô do namorado de Clara praticava fórmulas
de encantamento e certa vez dizimou o formigueiro que invadiu a casa de Las
Tres Marías, com um estratagema curioso. Como um novo Tirésias, depois
de cego, conseguiu reduzir as inúmeras fraturas do corpo de Esteban,
acidentado sob os escombros da casa da fazenda, depois de terrível
terremoto que destruiu tudo: casa, plantações, animais. Depois
de expulsa da casa dos Trueba pelo irmão, Férula só voltou,
materializada, para comunicar a própria morte. Morreu
engalanada como reina austríaca, vestía un traje de terciopelo apolillado, enaguas de tafetán amarillo y sobre la cabeza, firmemente
encasquetada, brillaba una increíble peluca rizada de cantante de ópera (Allende,
1995, p. 164). Quando os Trueba
chegaram, ela já estava sendo mordiscada por ratos. Os
filhos gêmeos de Clara e Esteban ― Jaime e Nicolás eram
diferentes entre si mas espantavam por suas excentricidades. Ainda jovens,
resolveram passar fome, Jaime, por solidariedade com os pobres, Nicolás,
para purificar a alma. Nicolas passava de um projeto fantástico a
outro. Em certa época teve a ilusão de cruzar, em um balão, uma
cordilheira, como muito antes havia tentado o tio-avô Marcos. Causam
também espanto a força, a excessiva energia, a violência, o vozeirão, o
ar taciturno de Esteban Trueba. Acrescente-se sua transformação de
jovem fogoso em velho rabugento. As suas bengalas espantavam a natureza.
Parecia uma reedição do lendário rei Átila, pois os animais domésticos
e as plantas murchavam à sua passagem. Certa
vez, Jaime definiu a família como uma quantidade de loucos e
extravagantes dos quais até os fantasmas riam. Deve-se
realçar o valor simbólico, sugestivo, contextual ou etimológico dos nomes
de alguns personagens na condução de ambas as narrativas, a partir do
pressuposto que os nomes têm um significado, podem conter uma
mensagem. Conhecido
refrão castelhano assevera: detrás
del nombre hay un hombre. Começando
pelos nomes: Clara – Blanca –
Alba, pode-se identificar uma
gradação ascendente de significado, todos apontando para luz, claridade.
Foi por amor a elas sobretudo à neta Alba
― a mais clara de todas ― indicando também o começar de
um novo dia, que Esteban Trueba conseguiu ver bem a realidade. Elas
iluminaram o cérebro e a consciência do patriarca. Acrescente-se que a mãe
de Clara se chamava Nívea. A
prostituta que teve um papel importante na vida de Esteban e que
conseguiu através de suas ligações com militares e pessoas importantes
ajudá-lo em momento difícil, chamava-se Trânsito ― nome que
pode ser associado com transigir, circular, alcançar. Na verdade, Trânsito
foi o personagem que mais conscientemente percebeu a mudança dos tempos e
soube acompanhá-la, percorrendo, em sua profissão, um caminho vitorioso. Rosa
― nome que evoca a
flor identificada comumente com o efêmero, pode simbolizar perfeição,
mulher amada, emblema de Vênus (CIRLOT, 1985, p. 390). A primeira noiva de Esteban
― Rosa ― era dotada de beleza admirável e teve vida breve. A
coragem e a determinação de Pedro Terceiro García, a
firmeza de seu pai de igual nome, bem como a força da ação do avô, também
Pedro ― mostram o acerto da escolha deste nome. Pedro
vem do grego Cefas, em aramaico Kefa que quer dizer rocha (VAN DEN
BOR, 1971, p. 1172). O antropônimo Esteban origina-se del griego Sthephanós, coronado de laurel victorioso (ALLBAIGÉS OLIVART, 1989, P. 104). No plano material, Esteban foi um vitorioso, o mesmo não aconteceu no plano sentimental, pois sua agressividade e um natural bloqueio para expressar sua afetividade o levaram à solidão. Entretanto, no plano humano, Esteban é um vitorioso, ao vencer-se a si mesmo, abandonando suas velhas convicções, quando reconhece que se havia equivocado (ALLENDE, 1995, p. 409). |
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CONCLUSÃO O
tempo de duração de um filme não permite serem abarcados todos os
acontecimentos narrados em um livro de quase quinhentas páginas. Por outro
lado, a linguagem do cinema rouba outras linguagens já consolidadas e as
articula em uma linguagem original e muito rica. Usa materiais expressivos
visuais, como o jogo de luzes e sombra, as imagens em movimento, signos
escritos e os sonoros, ou seja, as palavras, os ruídos e a música. Valendo-se
da clássica distinção de Peirce no que se refere aos níveis dos signos,
Francisco Casetti e Federico de Chio indicam a co-existência no filme de ícones,
índices e símbolos, esclarecendo que las
imágenes son inmediatamente íconos, mientras que la música y las palabras
son símbolos y los ruidos índices (Eco, 1971, p. 69). A linguagem fílmica é a um tempo, complexa e sedutora já que ela comunica da maneira mais abrangente. Os
gestos constituem o espaço onde a linguagem não-verbal encontra sua melhor
prerrogativa. A simples doçura ou a dureza de um olhar pode indiciar situações
descritas em páginas. Devem ser realçadas a força e a expressividade do
olhar de Clara, descritas no livro e realizadas no filme na bela
performance da atriz Meryl Streep. Clara movia os objetos com o
olhar, sempre que desejava desviar a atenção dos presentes em relação a
um assunto que lhe desagradava. A sua mirada substituía muitas palavras de
ternura, bondade, indiferença ou desprezo. Objetos
usados por personagens podem simbolizar o caráter, a disposição ou sua forma
de viver. Assim, a bengala usada por Esteban pode ser vista como símbolo do
poder e da dominação que ele queria exercer sobre todos. As chaves que Férula
usava penduradas na cintura e seu tilintar permanente podem ser vistos como
seu desejo de presença, nem sempre pertinente, nos quatro cantos da casa,
bem como, de entrada livre em todos os assuntos da família. Conclui-se
que Bille August empobreceu a abordagem do fantástico que o livro alcança,
descontextualizou o espaço da história, mas manteve seu núcleo central e
seu conteúdo político (ainda que diluído), conforme prometera à Isabel
Allende, e conseguiu realizar um filme de qualidade que encanta o público. Bibliografia ALBAIGÉS
OLIVART, José M. Diccionario de nombres de personas.
Barcelona: Universitat de Barcelona, 1989. ALLENDE,
Isabel. La casa de los espíritus. Barcelona: Plaza & Janés
editores, 1955. BARRENECHEA,
Ana Maria. La
literatura fantástica: función de los códigos socioculturales en la
construcción de un género. In: El espacio crítico en el
discurso literario. Buenos Aires: Kapeluz, 1985. CIRLOT,
Juan Eduardo. Diccionario
de símbolos.
Madrid: NCL, 1985. ECO,
Humberto. Como
analizar un film.
Barcelona: Instrumentos Paidós,
1971. FOLHA
DE SÃO PAULO. São Paulo: 03/06/93. VAN
DEN BOR, A. Dicionário Enciclopédico Bíblico. Petrópolis: Vozes,
1985. VAX,
Louis: Arte e literatura. Buenos Aires: Eudeba/ Lectores, 1973. |