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       Será
      mesmo este, o país do futebol?  | 
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| Nombre del Autor: André Luiz Gonçalves Trouche | ||
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       trouche@predialnet.com.br  | 
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       Palabras clave: fútbol - cultura - imaginario brasileño  | 
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       Minicurrículo: Doctor en Lengua Española y Literaturas Hispánicas y Profesor adjunto de literatura hispanoamericana en el Instituto de Letras da UFF. En los últimos años, viene publicando artículos en revistas y periódicos nacionales y extranjeros. Su línea de investigación actual es Literatura y vida cultural.  | 
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       Resumo: O universo do futebol, em comparação com outras manifestações de cultura e paixão popular, exerce inquestionavelmente um papel privilegiado no imaginário brasileiro. A recém encerrada Copa do Mundo acaba de demonstrar esta evidência. A produção literária sempre tão atenta ao resgate da identidade brasileira reflete este fenômeno? O universo do futebol está presente nas manifestações do projeto criador brasileiro?  | 
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       Resumen: El
      universo del fútbol, en comparación a otras manifestaciones de la
      cultura popular, tiene una importancia fundamental en Brasil. El recién encerrado
      Campeonato Mundial ha demostrado definitivamente esta situación. ¿ El
      proyecto creador brasileño, aunque tenga la cuestión de la construcciónes
      identitarias como uno de los ejes centrales de su proceso de desarollo, refleja
      este fenómeno? ¿ El fútbol está presente en la producción literaria
      brasileña, con una constancia coherente con su importancia en la cultura
      brasileña?  | 
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       Na
      manhã do dia em que iria protagonizar um dos mais significativos
      acontecimentos do processo cultural brasileiro, o jovem compositor
      certamente não tinha ainda a menor noção de que horas depois entraria
      definitivamente para a história,  celebrando
      um ritual perverso, fruto de um descompasso 
      que até hoje,  mais de
      trinta anos depois daquela noite de 1967, vige soberano a desafiar e a
      desdenhar as melhores intenções de nossos poetas e narradores de 
      assimilar as representações do imaginário popular ao projeto
      criador brasileiro. Como
      certamente se recordará muitos anos depois daqueles 15 minutos que lhe
      garantiram registro definitivo como símbolo do desencontro entre cultura
      popular e representação literária, momentos antes de ser chamado ao
      palco, ainda imaginava e antevia um outro destino, certamente muito
      diverso, para sua proposta poética: nos bastidores seguranças, músicos,
      câmeras, técnicos, diretores de imagens, operadores de VT iam e vinham,
      atropelando-se, ditando ordens e recomendações no rítmo frenético e
      alucinante que vinha das arquibancadas lotadas, cada vez mais explícitas
      no apoio às composições que falavam o protesto, denunciavam as antigas
      lições  dos quartéis e
      anunciavam a utopia de uma outra época em que a gente sofrida poderia
      esquecer-se da dor.    Exibindo já em seu currículo o grande sucesso alcançado com a composição da trilha sonora de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", Sérgio Ricardo acreditava-se certamente cúmplice deste grupo de composições e desta platéia que tão calorosamente as recepcionava. Claro, o seu "Beto bom de Bola" trabalhava tematicamente uma das maiores e mais importantes paixões populares, embalado por um samba-enredo estilizado, musicalmente também outra grande paixão nacional. Impossível não agradar a um público como este. 
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     repúdio
    de estudantes e universitários  que 
    compunham a maior parte da platéia do III Festival de Música
    Popular Brasileira de São Paulo. Vetado e impedido de cantar, Sérgio
    Ricardo quebra seu violão e o arremessa em direção à platéiaTomado
    assim isoladamente e por mais significativo que pareça, talvez fosse temerário
    conferir a  este episódio um
    caráter emblemático como símbolo de um fenômeno que ainda está por
    merecer um estudo de fôlego por parte do discurso crítico brasileiro: o
    evidente descompasso entre o futebol, e o projeto criador brasileiro,
    principalmente no campo da manifestação literária. O abismo que existe
    entre a extraordinária  realidade
    do futebol como manifestação cultural e construção identitária e sua
    presença bissexta e acanhada na produção literária. 
    Este, porém, não é um fenômeno novo, nem isolado, nem  se restringe ao campo da relação entre o futebol e o
    controvertido universo da música popular - também habitante da fronteira
    do literário. À
    semelhança da bela solução visual de Stanley Kubrick, imaginemos um
    fragmento do violão de Sérgio Ricardo a destacar-se dos demais no seu vôo
    em direção à platéia e, rodopiando, rodopiando, no sentido anti-horário,
    cair numa rua de subúrbio da cidade do Rio de Janeiro.  A data é 23 de março de 1920, e por esta época, o football embora ainda uma prática desportiva da elite, já havia conquistado o primeiro campeonato sul-americano, lotando as dependências do field do Fluminense e suscitado no jovem compositor Pixinguinha o belíssimo choro 1X0. Nesta data, nesta rua de subúrbio, um também jovem romancista e jornalista escreve indignada e irônica crônica, que dias depois será publicada no Careta: 
 ... além daqueles ótimos
    serviços, que citamos, prestados pelo futebol, à pátria e à mocidade
    brasileira, falemos de um terceiro mais geral de que todos nós brasileiros
    lhe somos devedores: ele tem conseguido, graças a apostas belicosas e
    rancorosas, estabelecer não só a rivalidade entre vários bairros da
    cidade, mas também o dissídio entre as divisões políticas do Brasil.
    Haja vista o que se tem passado entre São Paulo e 
    Rio de Janeiro e vice-versa, por causa do jogo de pontapés na bola.
    O futebol é eminentemente um fator de dissensão. Agora mesmo, ele acaba de
    dar provas disso com a organização das turmas de jogadores que vão à
    Argentina atirar bolas com os pés, de cá para lá, em disputa
    internacional...LIMA BARRETO, 1953, p. 83-4.   Ora, a conhecida aversão de Lima Barreto em relação ao futebol, sem dúvida, deve ser examinada à luz do contexto da época, e da realidade do futebol de então, além de expressar o que Alfredo Bosi denomina como contradições ideológicas de um "iconoclasta de tabus que detestava algumas das formas típicas de modernização que o Rio de Janeiro conheceu nos primeiros decênios do século: o cinema, o futebol, o arranha-céu..."BOSI, A. 1985, p. 358.  | 
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     Ainda que
    forçosamente tenha que ser relativizado por todos estes condicionamentos
    contextuais, não deixa de ser incomodamente paradoxal o descompasso entre o
    futebol e os produtores de cultura, desde os primeiros registros da prática
    do futebol no Brasil. Nas três
    décadas que se seguem - 20/30/40 - sedimenta-se e se aprofunda no projeto
    criador brasileiro algumas das mais importantes 
    propostas poéticas gestadas no interior do modernismo,
    principalmente no campo  das
    construções identitárias. Nas três
    décadas que se seguem - 20/30/40 - sedimenta-se, 
    aprofunda-se, democratiza-se e se massifica a prática do futebol em
    praticamente todo o território nacional brasileiro, transformando o
    futebol, mais do que em esporte nacional, numa verdadeira paixão popular
    mobilizando um contingente de centenas de milhares de praticantes e
    torcedores a cada final de semana. Nestas três décadas no campo da "alta literatura" poetizam-se e transformam-se em matéria narrativa os mais diversos aspectos e interfaces da cena e do imaginário popular brasileiro: o retirante, o cais da Bahia, o carnaval, o glamour de Copacabana, o jeca-tatu, o jagunço e o cangaço, a finesse burguesa, os mitos do passado, o quarup, a avenida paulista, a violência, todos os incidentes de Antares, a miséria, a riqueza, a utopia socialista, a luta proletaria, a repressão, a broa de milho, enfim, tudo coube no poema, tudo foi matéria romanesca. Do futebol, que em 50 foi capaz de paralisar o país e levar mais de 200 mil pessoas a um estádio, não se escreveu um verso, não se publicou uma linha.  | 
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     Os anos
    sessenta e setenta introduzem um fenômeno novo, que embora não modifique
    em nada este inquietante divórcio, pelo menos 
    indica a força da presença do futebol no universo da cultura
    brasileira. A novidade é a sedimentação de uma forma narrativa que embora
    nada tivesse de nova, ganhava agora novos contornos, que a fizeram
    ultrapassar sua condição imediata de registro e análise dos fatos do
    cotidiano, para inserir-se no universo da escritura poética. Falo, é
    claro, da crônica esportiva. Como bem o registra Milton Pedrosa, jornalista que em pioneiríssimo trabalho em 1968, publica uma primeira antologia da crônica esportiva brasileira, não há controversia de que a crônica esportiva no Brasil é uma criação do século XX, que gradativamente veio se constituindo: 
 " gerando e sendo por esta crônica esportiva gerado, assim se fez o cronista esportivo do futebol, tal como hoje o conhecemos. De começo, sem personalidade própria, sujeito às mesmas vicissitudes daquela a quem criava e que o criava] ...[ Na verdade surgiam quase marginalizados na imprensa. Quando o futebol ainda engatinhava, um João do Rio precisava se disfarçar para fazer uma reportagem no Fluminense." PEDROSA, 1968, p. 08-9 
 Os anos
    sessenta e setenta representam indiscutivelmente o apogeu do futebol
    brasileiro em todos os sentidos e é neste contexto que a crônica esportiva
    conquista espaço definitivo nos principais órgãos de imprensa do país e,
    principalmente, se profissionaliza definitivamente, adquirindo contornos poéticos
    próprios, e  redesenhando novas
    fronteiras para o universo do literário. Embora
    apenas agora nos 90 se iniciem os estudos acadêmicos 
    sistemáticos   sobre a produção da crônica esportiva, e a consideração
    do futebol como um fenômeno discursivo, creio ser possível tentar uma
    observação de conjunto do universo da crônica esportiva e registrar
    quatro grandes vertentes na construção do paradigma desta forma literária. A
    primeira e, a mais praticada é a crônica que se atém (e se esgota) no
    propósito imediato de comentar e analisar temas e eventos do cotidiano da
    prática do futebol. Todo grande órgão de imprensa apresenta hoje este
    tipo de crônica, que informa, comenta, critica, enfim, veicula um
    determinado ponto de vista  crítico
    sobre o dia a dia do futebol. Praticada por um grupo bastante heterogêneo -
    incluindo aí alguns ex-jogadores como Paulo Roberto Falcão e Tostâo -
    este paradigma abriga jornalistas e redatores deprocedência vária. 
     Evidentemente,
    toda crônica apresentará sempre este objetivo e cumprirá esta função. A
    grande questão está em que alguns cronistas - como Armando Nogueira e
    Renato Maurício Prado, este da "novíssima geração" - 
    vão muito além desta contingência imediata, inscrevendo-se no espaço
    do poético. Uma
    destas vertentes poéticas é a que se caracteriza pela narratividade,
    transformando o cronista num grande contador de histórias e
    "causos". Veiculada por uma linguagem despojada, eivada de marcas
    de oralidade e coloquialismo (como aquele famoso "meus amigos"
    introdutor de todas as crônicas de João Saldanha - talvez o representante
    máximo deste paradigma) esta vertente está sempre buscando reproduzir o
    tom intimista de uma conversa com o leitor. Uma conversa que promove um 
    evidente processo de ficcionalização, capaz de 
    transformar uma partida numa batalha épica, e jogadores em
    personagens e heróis e/ou vilões. Nelson
    Rodrigues, sem duvida, é o grande nome de uma outra vertente da crônica
    esportiva, que se caracteriza pela rica e generosa criação de uma vasta
    galeria de  personagens e tipos
    sociais característicos do universo do futebol. O Gravatinha, o
    Sobrenatural de Almeida, a Grãfina das narinas de ouro, entre tantos outros
    são personagens de ficção que convivem e interagem com jogadores e
    figuras típicas do futebol, que submetidos às leis da semiose ficcional
    transformam-se também em seres de papel.  Ocupando
    o espaço de uma interseção entre estes dois paradigmas, Renato Maurício
    Prado alia-se à vertente dos contadores de história - já lançou até
    mesmo uma primeira coletânea de "causos", veiculados em linguagem
    despojada, direta e absolutamente plena de coloquialismo e oralidade, embora
    a constante presença de um personagem como o Bagá, sinalize na direção
    do modelo praticado por Nelson Rodrígues.  
     Neste brevíssimo vistazo sobre a crônica esportiva falta uma referência a uma terceira vertente, que se caracteriza pela busca constante de uma prosa poética, que nos seus melhores momentos configuram verdadeiros poemas em prosa. Trazendo em sua bagagem, reunidas em livro, algumas coletaneas extraídas de sua coluna "Na grande Área" há anos publicada no Jornal doBrasil e distribuída para muitos outros órgãos de imprensa de outras capitais e do interior do país, Armando Nogueira é, sem dúvida, o grande nome desta vertente, ainda em plena atividade.  | 
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     Bem, não
    caberia mesmo aqui uma proposta de reflexão e análise aprofundada da crônica
    esportiva. No caminho que vínhamos tentando percorrer, 
    na busca de levantar os elos entre o futebol e a produção literária,
    pareceu-me importante destacar que a partir dos anos sessenta a crônica
    esportiva requalifica esta relação, evidenciando, nestes últimos trinta
    anos, a constituição de uma forma narrativa nova (ou renovada) que habita
    a fronteira do literário.  Para
    finalizar este panorama, enfocando estas duas últimas décadas, seria
    importante  registrar a produção
    de Edilberto Coutinho, que finalmente rompe o silêncio absoluto, publicando
    narrativas que se nutrem do universo do futebol. Se não chegam a alterar
    fundamentalmente este cenário de divórcio absoluto, pelo menos indicam uma
    primeira tentativa de assimilação.  Fica no ar, porém, a necessidade de uma reflexão crítica que dê conta deste paradoxo perverso. Com a palavra poetas, narradores e críticos...  | 
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| Sobre el autor: | 
| André Luiz Gonçalves Trouche | 
| E-mail: trouche@predialnet.com.br | 
| Home-page: [no disponible] | 
| Sobre el texto: Texto insertado en la revista Hispanista no 10  | 
  
| Informaciones
      bibliográficas: TROUCHE, André Luiz Gonçalves. Será mesmo este, o país do futebol? In: Hispanista, n. 10. [Internet] http://www.hispanista.com.br/revista/artigo90esp.htm  | 
  
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