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Carlitos: a paródia gestual do herói

Nombre del Autor: Suely Reis Pinheiro

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suely@hispanista.com.br

Palavras-chave: Pícaro - Parodia - Cine

Minicurrículo:   Mestre em Língua Espanhola e Literaturas Hispânicas - UFRJ; Doutora em Literaturas Espanhola e Hispano-Americana - USP; Membro da Associação Internacional de Hispanistas - AIH, Associação Brasileira de Estudos Medievais - ABREM e Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro - APEERJ; Editora e Diretora da revista Hispanista; Linha de Pesquisa: Literatura e outras linguagens.

Tesis de Doctoramiento presentada al Área de Literaturas Espanhola e Hispano - Americana del Departamento de Letras Modernas de la Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas de la Universidade de São Paulo - USP. Tutor: Dr. Mario Miguel González.

Resumo: Leitura hermenêutica dos filmes de Charles Chaplin. O gestual do anti-herói Carlitos na realização da paródia do herói modelar. Diálogo do orgiasmo do personagem com a picaresca e a utopia quixotesca. Denúncia satírica das opressões e da condição do homem na sociedade contemporânea. Incorporação do personagem vagabundo na neopicaresca.

Resumen: Lectura hermenéutica de las películas de Charles Chaplin. El gestual del antihéroe Carlitos en la realización de la parodia del héroe modelar. Diálogo del orgiasmo del personaje con la picaresca y la utopía quijotesca. Denuncia satírica de las opresiones y de la condición del hombre en la sociedad contemporánea. Incorporación del personaje vagabundo en la neopicaresca.

 

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1. INTRODUÇÃO

O século XVI, dentre tantas obras significativas, oferece o primeiro romance picaresco -  Lazarillo de Tormes. Traz ele a denúncia de um autor anônimo que, por meio da paródia da figura do herói modelar, aponta como uma sociedade, que é pautada pela honra, assiste à derrocada de seus valores. É um desvelamento que se dá em similaridade com as palavras do personagem Lázaro, depois de ter sido enganado pelo amo cego.

A obra Lazarillo de Tormes serve de incentivo, para que, no século seguinte, pintores famosos, como Murillo, Velázquez e Ribera explicitem, artisticamente, suas idéias sobre a Espanha grandiosa do Século de Ouro, não sem levar alguma punição do cárcere, pois configuram, em suas telas, a pobreza, em cenas degradantes. Belos quadros, grandes quadros de meninos cojos, mulheres desgrenhadas e homens famintos colorem uma Espanha desonrada, mas, ao mesmo tempo, uma Espanha que se faz famosa, pela genialidade de sua plasticidade artística.

É importante assinalar que, além de permitir os passos inferenciais da picaresca, a leitura de Carlitos leva, ainda, a um dialogismo com Dom Quixote, isto, especialmente, quando se atenta, interartisticamente, para o caráter utópico dos personagens.

A bem dizer, revela-se uma complexidade no jogo paródico: Carlitos realiza, gestualmente, a paródia do herói modelar, ao transcontextualizar dois personagens arquétipos da literatura espanhola - estes também paródicos -  engendrados no anônimo Lazarillo de Tormes e em Don Quijote de la Mancha de Miguel de Cervantes.

Consubstancia-se o objetivo e o interesse maior desta tese: uma leitura crítico-produtiva de um universo de filmes de Charles Chaplin, visando a compreender e explicar como o personagem Carlitos, através da paródia veiculada pelo gesto, se define como anti-herói neopícaro, revelando-se, assim, um forte elemento de denúncia social.

Verifica-se que os filmes de Charles Chaplin se distinguem por consideráveis estratégias de sedução, pelas quais o espectador se deve colocar em fecundo distanciamento. De tal modo, não só a paródia gestual, mas também os recursos retóricos da carnavalização, a realidade oscilante, a "teatralidade", tudo, enfim, cria um mundo que se diz como "ilusão" espetacular, a exigir a cumplicidade do espectador.

Dentre os filmes de Charles Chaplin, considera-se objeto de estudo um corpus fílmico, em que o personagem se manifesta por meio do gestual vagabundo. Nesta linha são visitados os seguintes filmes: A Dog's Life (Vida de Cachorro), City Lights (Luzes da Cidade), Easy Street (Rua da Paz), Modern Times (Tempos Modernos), Shoulder Arms (Ombro, Armas !), Sunnyside (Um Idílio no Campo) The Circus (O CIrco), The Gold Rush (A Corrida do Ouro), The Idle Class (Os Ociosos), The Immigrant (O Imigrante), The Kid (O Garoto), The Pilgrim (O Peregrino), The Tramp (O Vagabundo), The Vagabond (O Vagabundo).

Também pelos traços do vagabundo, são abordados alguns filmes que costumam ser catalogados como "pastelões", mas que já trazem fortes indícios do contexto da filmografia futura. Personagens que fogem ao padrão da vagabundagem não constam do universo da pesquisa.

Na leitura dos filmes, faz-se uso da metodologia indutivo-comparativa, sem preocupação com a análise das fontes, mas buscando, a partir do desempenho de Carlitos, os gestos picarescos e quixotescos que se refuncionalizam, na transgressão do herói modelar.

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No vigor da intertextualidade, vivifica-se, de maneira particular, a gestualidade anti-heróica de Carlitos, enquanto personagem das margens, o que confere um caráter fortemente emotivo à sua gestualidade tipificada. De forma eficaz, os gestos do personagem se engrandecem sob o foco do cinema mudo, quando ainda é, pelo gesto, que se efetiva a função referencial da linguagem.

Pronunciamentos de vários críticos dos filmes de Charles Chaplin patenteiam que a paixão despertada pelo personagem no espectador não é fruto de reminiscências da infância, quando ainda se é "um desocupado leitor" e, sim, da sátira social que ele deixa escapar nas entrelinhas das suas piruetas. Sem dúvida, não são poucos os críticos que (como eu) levam a sério Carlitos, considerando, com toda a grandeza, este personagem que se insere no infratrágico do mundo moderno.

Portanto, o personagem Carlitos é, com inteireza, um anti-herói do século XX que, na transcontextualização paródica, mobiliza o espectador a refletir sobre o destino do homem, no tecido social, quanto à sua dificuldade em afirmar-se como sujeito, frente a um mundo intensamente hierarquizado e sem valores autênticos.

Vê-se então que, por meio da paródia gestual do herói, Carlitos transita pelos espaços da neopicaresca e faz o projeto político-social, que ele inspira, iluminar-se da força utópica de Dom Quixote.

2. CHAPLIN E O CINEMA MUDO

O cinema de Charles Chaplin não está envelhecido, uma vez que o artista soube fazer de seus filmes, na trama da paródia moderna, um veículo de denúncia social, que vai além de uma simples narrativa de comicidade.

Outros cômicos da época também se empenham nessa vertente e fazem das telas um veículo de protesto, mas Charles Chaplin, mediante a posição de impassividade do homem, aproveita as novidades do século como linha condutora, a exigir a cumplicidade do espectador. Encontram-se, em seus filmes, ressonâncias de sua vida pessoal.

No fazer cinematográfico de Charles Chaplin, pode-se estabelecer um diálogo entre o eu do autor e o eu do personagem, o que permite compreender uma gama de procedimentos, ancorados nas antinomias inerentes ao ser humano: vencido e vencedor, anti-herói e herói, pessimista e otimista, cômico e trágico, misantropo e filantropo, e outras mais.

Na sobreposição Carlitos-Chaplin, mesclam-se o riso "pastelão" e o riso realista e, com imaginação e fantasia, retrata-se, paródica e satiricamente, a realidade histórico-social.

Logo, no processo de identificação autor-personagem, os filmes ampliam sua faceta de simples comédia-caricatura e apresentam uma expressão dramática forte, cuja dimensão, trágica e cômica, faz o público, ao mesmo tempo, chegar às lágrimas ou às gargalhadas. Nesse espelho claro-escuro silencioso da tela, a platéia se identifica com o personagem e não sabe se ri ou se chora de si mesma ou de Carlitos.

Neste processo de identificação, aflora um personagem identificado com o povo e que advoga em sua defesa. Há um um jogo de experiências pessoais e culturais, em que o personagem, segundo Chaplin, conjuga múltiplos perfis, em caráter protéico.

Na busca de uma nova forma de expressão para o cinema silencioso, a "lógica" de Charles Chaplin lhe dá a capacidade de vislumbrar, parodicamente, nas cenas do cotidiano, uma realidade social de ontem e de hoje. A partir daí, refuncionaliza-se a psicologia de um personagem, delineado como vagabundo, que vai embora na poeirenta estrada, retomada a cada filme.

Acredita-se que a concepção pessoal de Chaplin de ver o mundo e sua inspiração se devem à sua própria infância. Como Carlitos, em seu universo, cheio de vagabundos e de gente simples, driblando a fome e lutando pela sobrevivência, Chaplin atravessa seus primeiros anos. Entretanto, ao final, instala-se a contraposição. O autor é acusado de ser excêntrico e megalomaníaco, vive num universo de incomunicabilidade e rejeita a antonomásia de o "paladino dos pobres e dos indefesos".

Fazendo uso da paródia satírica, através de Carlitos, Chaplin proclama o absurdo da vida, denuncia a intolerância, o sentido belicoso do ser humano, a hipocrisia, a desonestidade e as desigualdades sociais.

Os olhos da câmera, transposição do pensamento do autor, induzem o espectador a passear por entre os melancólicos, os pobres, os que sofrem a desesperança e a crueldade do mundo, na fome e no desamparo. Em verdade, o espectador sabe ler, na plural pantomima da corporalidade de Carlitos, uma rebelião contra o aniquilamento do sujeito, frente a um emparedamento opressor.

Chaplin sabe, como ninguém, usar a gestualidade corporal nas entradas súbitas e graciosas de Carlitos, divorciando-a das mímicas grosseiras, insossas e sem a menor sutileza de uma comicidade gratuita.

De maneira inventiva, utiliza-se das imperfeições técnicas da arte de fazer cinema. Mascarando a ausência do som, picarescamente, invertendo desvantagem em vantagem, dribla as dificuldades da tecnologia das câmeras, quando, no emprego do "plano geral", valoriza as piruetas e as corridas de Carlitos e inova na composição do balé de sua pantomima. Até na utilização dos objetos, Chaplin inova, fazendo-os, ora protagonistas, ora antagonistas, e ainda, vítimas, sem tranformá-los, como era costume na época, em joguetes cômicos.

Destacando-se entre seus contemporâneos, Chaplin abandona, logo, a desenfreada corrida cômica, usando a corporalidade com moderação, para compor seu personagem.

Enquanto a maioria do cômicos têm, no uso exagerado dos movimentos gestuais, uma saída para suprir a falta de som e fala, Chaplin, sem querer artificiar nenhum paliativo, nem esconder as deficiências das câmeras, se serve delas para criar um estilo novo.

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Deve-se observar que o ator cômico do início do século, com seu objetivo de simples diversão, passa de uma brincadeira a outra, de maneira acelerada e correndo cada vez mais. Afinal de contas, estamos no começo de um tempo cheio de grandes inovações, quando o homem acelera o passo para acompanhar o progresso.

É esta carrera loca que se vê em Buster Keaton: excessiva rapidez de locomotivas, carros e cavalos, e uma dose de megalomania na gestualidade. Aliás, no tamanho desmedido e exagerado das explosões e na amplidão das catástrofes, observa-se a monstruosidade do universo em contraste com a pequenez do homem Buster Keaton. No ritmo frenético das destruições e das desgraças por que passa o protagonista, há um contraste entre o turbilhão dos objetos e a impassividade do personagem, frente à situações.

Junto aos delírios e sonhos do "homem que jamais ri" - Buster Keaton - surge o arrivista Harold Lloyd, sempres às voltas com a altura dos edifícios ou, prestes a cair, pendurado em grandes relogios. Entretanto, este supera todas as dificuldades e catástrofes, sem a passividade do outro, muito desajeitado, mas, afortunadamente, vencedor na sua obstinação.

Há, ainda, por essa época, a impaciente violência, em convívio com a ingenuidade exagerada, na dupla o Gordo e o Magro.

É, contrapondo-se a esses companheiros do cinema mudo, também famosos e admirados, que surge, destacadamente, um Carlitos insólito e sensível.

Para exteriorizar o que não se pode dizer com palavras, Chaplin, com um simples recurso de "primeiro plano", consegue privilegiar as expressões fisionômicas de Carlitos, com grande intensidade, e chegar mesmo a resumir toda a temática de um filme, como se pode observar nas emblemáticas cenas finais de City Lights(Luzes da CIdade).

Outra diferença em relação aos cômicos do cinema mudo é que, ao invés de fazer seus personagens fingir que falam, Chaplin prefere mimar o diálogo. Sobrelevam-se, então, as emoções do gestual atributivo, nascidas da alma, que são reveladas pelas partes do corpo, através do sorriso sob o bigode ou por seus olhos tristes e negros, emoldurados pela máscara branca. Os signos do cinema silencioso e "descolorido" preto e branco não impedem o espectador de ouvir e ver o que a imagem falada e colorida faz tão explícitamente. Em alguns casos, o filme mudo, livre da interferência "do barulho do som", que funciona como um "ruído" no processo da comunicação, oferece ao espectador/descodificador a recepção de uma ilusão referencial, em cenas privilegiadas pelo olho da câmera do diretor. O espectador é capaz de afirmar, por exemplo, com toda a propriedade, que a bandeira que Carlitos carrega na passeata dos grevistas, em Modern Times(Tempos Modernos), é vermelha. Através do isolamento do silêncio, percebe-se como vermelho o que é consignado como protesto.

Deste modo, um bom filme "silencioso" atinge todas as platéias, da mais simples à mais intelectualizada. Além do mais, não se pode esquecer o contraponto gracioso que as canções surgidas do sentimento do poeta Charles Chaplin propiciam. Sua música sublinha o gesto, ora em ritmos ligeiros, ora em ritmos suaves.

Embora Chaplin chegue a reconhecer que a fala daria às figuras maior aparência de realidade, para ele, isto significaria abandonar o tipo do vagabundo, fortemente marcado pelo gestual.

De modo especial, os filmes de Charles Chaplin cumprem sua função comunicativa, como cinema mudo, uma vez que a voz destruiria a "ilusão" que ele queria criar. Em verdade, com a figura mascarada de Carlitos, Chaplin destrói a ilusão referencial e resgata a "teatralidade" - um espetáculo que se diz como espetáculo ¾ e, deste modo, desloca o espectador do mundo circundante e o induz à reflexão.

Já se disse que Chaplin, com a silhueta de Carlitos, forja o logotipo cinematográfico do século. Sem dúvida, na figura solitária de seu personagem, não fica só a imagem de um pobre homem que se esvai na poeira das estradas, nela também repousam as verdades estrelinhadas de um bufão trágico, onde o silêncio traz a cumplicidade da palavra.

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3. CARLITOS NA TRANSCONTEXTUALIZAÇÃO PARÓDICA

A leitura do gestual de Carlitos norteia-se pela transcontextualização paródica, já que, na configuração do personagem, encontra-se, especialmente, a apropriação dos gestos trapaceiros do pícaro e dos gestos utópicos de Dom Quixote. Nesta instância, faz-se importante assinalar as diferenças, no âmbito das semelhanças.

Carlitos realiza, no cinema, a paródia gestual do herói, desenvolvida, com excelência, por Lázaro de Tormes e por Dom Quixote, resgatando do pícaro a paródia gestual por atrofia e de Dom Quixote, a paródia gestual por hipertrofia.

Tendo em vista a transcontextualização, o personagem Carlitos se configura por meio dos passos inferenciais dados pelo receptor.

Com efeito, na leitura do personagem, o espectador/descodificador atenta para a estrutura paródica e, ainda, para uma intenção codificada, uma vez que a paródia envolve, não só o enunciado estrutural, mas também a enunciação inteira do discurso, relacionada aos esquemas de comunicação.

Nos filmes de Chaplin, a paródia e a sátira interagem, de maneira eficaz, uma vez que, pela força da paródia, explicita-se a sátira, em seu papel de corretivo social. Portanto, em seus filmes, se estabelece uma paródia satírica, pela qual se discutem as práticas institucionais e a situação do homem, na sociedade atual.

A crítica à sociedade contemporânea, por meio da trapaça - encontrada nos filmes de Charles Chaplin ¾ , é o traço marcante da aproximação de Carlitos ao pícaro clássico, Lázaro de Tormes. Sem dúvida que, nas conexões de semelhanças, muitos traços de diferenças se estabelecem, determinados, sobretudo, em todo o contexto em que vivem os personagens. Antes de mais nada, o que se ressalta, como significante diferença entre Carlitos e o picaro clássico, é que este evolui como afirma Mario González, do simples papel de vítima, passando pela integração e pela mentira dessa integração, até se mostrar como apenas um delinqüente irrecuperável. Tal fato não ocorre com Carlitos, porquanto, na inversão paródica, junto ao seu caráter atrófico de herói modelar, ele guarda características hipertróficas deste mesmo herói. Vê-se, pois, que seu caráter transgressor sintetiza a incorporação da trapaça do pícaro à utopia quixotesca.

Portanto, não se intenta atrelar Carlitos à noção de pícaro clássico. Carlitos guarda algumas características do anti-herói picaresco, e a aproximação é possível, quando se observa a paródia gestual, a aventura, a sátira social e, principalmente, o seu jogo trapaceiro.

A leitura dialógica entre Carlitos e Lázaro aponta para uma categoria de adaptação social que os exclui da conformidade, situando-os, assim, como homens das margens. Enquanto o herói se estabelece como figura modelar de um espaço social instituído, Carlitos e Lázaro, por suas trapaças picarescas, se definem como anti-heróis. Entretanto, apesar da similar marginalidade, Carlitos e Lázaro trilham um caminho de adaptação/inadaptação social diferente: Lázaro se marca pela inovação, e Carlitos, embora passe por este e outros processos, enuncia-se, essencialmente, pelo retraimento. Antes de mais nada, é necessário que se compreenda Carlitos como um homem das margens, a desfilar pelo mundo às avessas da paródia.

As conexões de semelhança e dessemelhança de Carlitos com o personagem picaresco, se robustecem com as características inerentes ao romance picaresco: orfandade, pseudo-autobiografia, visão parcial e preconceituosa do narrador, visão reflexiva e filosofal do pícaro, fome e necessidade de subsistência, vários amos e várias profissões, viagem e movimentos, e narrativa episódica. Algumas destas características podem ser atribuídas aos filmes de Carlitos, como por exemplo, a orfandade, o aprendizado, a fome e a necessidade de subsistência e a viagem.

No desenrolar dos acontecimentos, o personagem evidencia o drama de ser homem entre homens, ser um contra todo o conjunto econômico-social. Daí o seu caráter de solidão e sua constante peregrinação. Perpassa, assim, por tipos representantes de vários espaços da sociedade, que se oferecem em um variado painel ¾ o gordo, o baixo, o aventureiro, o ladrão, o vesgo, o pobre, o rico, o feio, o bonito, o orgulhoso, o solitário, o opressor, o desprotegido e muitos outros - , em que as classes inferiores contemplam, de maneira satírica, as classes superiores.

Como se sabe, a picaresca está sempre baseada numa situação, ou melhor, numa cadeia de situações, e o personagem se envolve, desde o princípio, numa complicação, com as leis da conformidade social. Seguindo o jogo da sociedade, o novo pícaro assume o comportamento de velhaco e escolhe não se comprometer e, sim, viver em cima do muro, entre a vagabundagem e a delinqüência, nem se juntar a seus semelhantes, nem se afastar completamente deles.

O objeto pode ser definido como um elemento do mundo exterior, fabricado, assumido e manipulado pelo homem, independente e móvel, ligado à escala humana e um pouco inferior ao próprio homem.

Os objetos, nas aventuras gestuais de Carlitos, ocupam as funções de antagonista, de cúmplice e de vítima. Como antagonistas, os objetos exercem um papel contrário àquele para o qual foram criados, isto é, para a comodidade do homem, para servi-lo na sua função utilitária e social.

Alguns objetos não se recusam a ajudar Carlitos, mas também infernizam o seu viver. Contra tais objetos - que deveriam ser ferramentas do seu dia a dia - o personagem se vale da passividade engenhosa e astuciosa e os coloca no mundo da cumplicidade. Faz do bom humor sua defesa, meio pelo qual triunfa sobre os objetos e descaracteriza a maldade das coisas, conferindo a elas uma atribuição de uso diferente para o qual estavam destinadas.

Em suma, o objeto incorpora-se ao gestual trapaceiro de Carlitos e, com a criatividade que o mundo da "ilusão fílmica" oferece, refuncionaliza-se incessantemente, na paródia gestual do herói. Por seu turno, em inversão irônica, o objeto para Carlitos se faz paródico, à medida que não representa nenhuma expiação e, sim, uma incorporação do mundo orgiástico e confusional do novo pícaro.

No entrelaçamento entre Carlitos e Lázaro, observa-se que não só os objetos compõem este mundo confusional, mas também as camuflagens e os disfarces, o jogo do acaso, das surpresas e dos contrastes, tudo aquilo com que este personagem marginal, na sua trapaça astuciosa e fraudulenta, se livra dos reveses da vida, sem as lamentações do pícaro, mas com sua energia orgiástica e, ainda com o dinamismo da utopia construtiva que existe em cada ser humano.

De modo especial, Charles Chaplin, em seus filmes, configura suas memórias de pobreza e de infância, fazendo-se o produtor em narrador implícito, inserindo em seus filmes, a dupla perspectiva de auto-disfarce e auto-revelação.

Em sua verdadeira viagem -  a evolução para a solidariedade humana - , Carlitos supera, algumas vezes, sem grande êxito, as dificuldades e assume, como Lázaro, uma vida antitética, cheia de fortunas y adversidades, mas não se fecha aí, pois incorpora, com eficácia, a utopia de Dom Quixote.

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4. A Utopia Quixotesca

O final do século XV marca o início de uma grande aventura utópica: a chegada dos europeus à América. A seguir, no princípio do século XVII, em meio a uma época povoada de paradoxos, surge, na Espanha, o personagem que melhor representa os ideais utópicos do ser humano -  Dom Quixote -   como personificação paródica destes ideais.

Se a descoberta das Novas Índias ocorre como uma realização de sonhos visionários, dois séculos mais tarde, a obra Don Quijote de la Mancha concretiza o dualismo que convive na alma humana, ou seja, o idealismo e o racionalismo. Em meio a esta ambivalência, forja-se a utopia. Já no começo do nosso século, os Estados Unidos passam a ser o principal cenário utópico de outros tantos novos sonhadores, que, por extensão, emergem em todas as partes do mundo. É então, que, na produção fílmica, nasce Carlitos, personagem que traz em si o germe da utopia quixotesca, em seu dualismo de ver o mundo oscilante entre a fronteira do real e do não-real.

Enquanto o Carlitos picaresco se manifesta, no diálogo paródico, através da atrofia do projeto cavalheiresco, em sua negação, o Carlitos quixotesco revela-se com o traço distintivo da hipertrofia cavalheiresca, efetuada no exagero da caricatura dos traços heróicos.

Pressupondo-se que o âmbito da paródia concentra uma variada gama de dimensões textuais, consignam-se também, em Carlitos, ecos de um estilo medieval - o amor cortês - , quando se intercambia com a obra Don Quijote de la Mancha.

Portanto, a síntese bitextual permite ao descodificador construir, a cada passo, um segundo sentido de um texto, com a repetição alargada, numa perspectiva estrutural e pragmática.

Na leitura paródica de Carlitos com Dom Quixote, realiza-se uma inversão irônica da postura do cavaleiro medieval, efetivada pelo gesto caricato do vagabundo.

O anacronismo do personagem Carlitos, que se estabelecera a partir do exagero da vestimenta, fora do tempo e do lugar, agora se funda na gestualidade amorosa exacerbada, concebida em uma época em que, no processo social e político, pelo qual passava a sociedade, no começo do século, não mais cabia o romantismo exagerado desse novo cavaleiro andante. O cavaleiro renascentista não compreende as forças que se movem por detrás da nova economia, da nova sociedade e do novo Estado. Assim, o novo cavaleiro Carlitos não enxerga que a vez é a dos novos ricos e que o idealismo e o irracionalismo, agora, como no "Século de Ouro espanhol", estavam fora de moda.

Carlitos caminha junto com Dom Quixote porque pertence, como ele, à galeria de caracteres narcisistas, ao conjugar a alegoria do amor a si mesmo e ao mundo, a perda da realidade e o sentimento de solidão e desolação. Como Dom Quixote, tem o viver, à margem da realidade da vida, presa nos limites do seu eu, vivendo uma existência fictícia, completamente ilhado do ser real.

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5. O NEOPÍCARO CARLITOS: UMA INTEGRAÇÃO DE PARÓDIAS

O neopícaro é o pícaro do século XX com outros matizes. Continua fruto de antagonismos de classes, mas sob outras condições de opressão, de que resultam renovada forma de luta.

Frente ao poder absoluto do patrão, associado ao mundo do dinheiro e da riqueza, instala-se a figura simbólica de Carlitos. De fato, as características externas e alcançáveis da sociedade burguesa, contrapõem-se às características internas de Carlitos, que lhe são inalcançáveis - a candura, a inteligência, a astúcia, a bondade - num jogo antitético que demonstra sempre a vitalidade orgíaca do pícaro, como a marca do fraco, nas suas diversas e eternas lutas e fugas da polícia, do rival e do gigante.

A sua malandragem é conseqüência dos atuais valores da sociedade, os econômicos, que subverteram o sistema moral e a má patronagem que existe nas ligações impessoais. O indivíduo que, no meio familiar, é uma pessoa, passa a ser, diante da má patronagem, um animal de carga e tração.

Ao trilhar o caminho da aventura, Carlitos faz uso de um gestual ágil, mas também astucioso e oportunista, o que o torna, malandramente, disponível perante a vida. Seu universo individualizado é fruto de uma hierarquização da sociedade desigual, em que os grandes e os poderosos desconsideram os anseios dos oprimidos.

Carlitos, em sua trajetória de homem das margens, prossegue nas andanças, logros e aventuras, desajustado, aproveitando os recursos que se lhe oferecem pelos caminhos. Prefere viver de expedientes, sem nunca assumir uma posição fixa na estrutura social. É sempre um fora da lei, sem dinheiro, que perambula pelas ruas e dorme nos bancos de praças, enfrentando todos os guardas do mundo.

Carlitos vai encontrar, no espaço da carnavalização, o ambiente propício para sua ambigüidade paródica.

Homens, antes separados por barreiras hierárquicas inatingíveis, agora são iguais na organização da massa. É o que se observa nos filmes em que se intercambiam: o menino e o vagabundo, o rico e o pobre, o feio e a bela, o palhaço e o acrobata, o homem e o cachorro, o forte e o fraco, a riqueza e a pobreza, o orgulho e a simplicidade.

Carlitos desempenha, na paródia carnavalesca, o mecanismo da entronização e da desentronização. A entronização surge para destruir o que está pré-estabelecido. A entronização de Carlitos é ambivalente e contém, desde o princípio, a idéia de desentronização, pois, coroa-se o contrário do verdadeiro rei.

Em seu orgiasmo improdutivo e confusional, coexistem o amor pela vida, os sonhos, a utopia e a sede de permanência. O conjunto de características picarescas, parodicamente ressaltado, coaduna-se com o projeto politico-social do neopícaro Carlitos que incorpora, também, significativos traços de Dom Quixote.

Deste modo, no anti-herói Carlitos, subjaz um quixotismo que o fará portador de um projeto de liberdade.

À semelhança do pícaro, o gestual de Carlitos, em transcontextualização, também subverte os valores heróicos ¾ a nobreza, a coragem, a lealdade, a verdade, a justiça, o desprendimento e a conduta amorosa. Por outro lado, como paródia de Dom Quixote, suas ações refuncionalizam, no exagero e na caricatura, tais valores. Assim, o personagem conjuga, ao mesmo tempo, a hipertrofia e a atrofia das qualidades do herói modelar.

Surge, desta maneira, um desejo de estabelecer uma nova ordem social - consciência que faltava ao pícaro clássico. Frente ao gestual paródico de Carlitos, o espectador pensa uma nova sociedade, sem opressão, alimentada no amor e na amizade. É a categoria de rebelião que se instaura. Então, como elemento conscientizador, destaca-se o riso carnavalesco, meio eficaz para desvelar a hostilidade do mundo, bem como para apontar os caminhos da rebelião contra a ordem e os poderes estabelecidos. Com efeito, o riso, elemento inseparável da paródia e da sátira, sublinha a inconsistência dos valores da sociedade. A figura caricatural do vagabundo promove o ambivalente riso carnavalesco capaz de criar a transformação e a rebeldia.

O neopícaro Carlitos, com traços quixotescos, na complexidadede de seu gestual paródico, de pícaro e de Dom Quixote, se faz filtro paradigmático de cinema americano, resgatado em personagens de várias nacionalidades, tais como: Cantinflas, Zorro, Bat Masterson ou Oscarito.

Subir 6. CONCLUSÕES

Na leitura do universo de filmes de Charles Chaplin, a complexidade já se observa no próprio âmbito estrutural da paródia, uma vez que a transcontextualização acontece, interartisticamente, entre cinema e literatura. A seguir, verifica-se esta complexidade pelo alto teor de ambivalência em que a paródia se dá: positiva e negativamente. De tal modo, na síntese dialógica com Lazarillo de Tormes e com Don Quijote de la Mancha, configura-se, por um lado, uma ironia bem humorada frente ao pícaro e a Dom Quixote e, por outro lado, uma ironia corrosiva e ridicularizadora, em relação ao herói modelar.

Deve-se notar que, na ativação destas obras do passado, transcontextualizam-se personagens, intensamente marcados por um gestual específico e conhecido - codificado como trapaça do pícaro e utopia quixotesca - o que propicia o estabelecimento da função pragmática da paródia, com extraordinária cumplicidade do espectador.

Destaca-se, então, a eficácia do distanciamento. De fato, ao parodiar obras que, em si, já são paródias, os filmes de Chaplin fazem recuar, fortemente, a ilusão referencial: não se aspira mais a dar a ver o real, mas o filme, ou seja, ao serem fabricadas imagens gestuais icônicas sobre imagens gestuais literárias, há uma multiplicação de ilusões, em que se perde a noção de referente. Deste modo, na transcontextualização, o distanciamento crítico-produtivo aflora de um mundo fílmico, construído numa "ilusão" peculiar, segundo o próprio Chaplin, que privilegia a representa-ação, sem prestar caução de autenticidade ao mundo circundante, levando, assim, o espectador a caminhos equívocos.

Além do mais, na convergência cinema e literatura, a auto-reflexividade paródica não só põe em xeque a ilusão referencial, mas também sustenta uma reflexão sobre os conceitos da arte, em nosso tempo.

Sem dúvida, a par da auto-reflexividade, a sedução do espectador aumenta por meio dos mecanismos da "teatralidade". Ao criar um espaço de "ilusão", em distanciamento do mundo, isto é, ao dizer-se como espetáculo, a ação representada perde seu caráter paternalista, próprio da produção "realista" que, ao oferecer tudo detalhadamente pronto, gera um espectadodor passivo.

Neste horizonte, o anti-herói Carlitos sobreleva-se como o agente que mobiliza a reflexão do espectador, por meio de um discurso gestual ambiguamente carnavalesco. No espaço cinematográfico, reforça-se a sedução, quando se observa o gestual livre de Carlitos, como homem das margens. A excentricidade de sua figura -  destacada pela máscara, pela roupa e pelos gestos -  impede sua inserção em qualquer papel social definido. É uma modelização caricatural do homem. A máscara inventiva, associada à roupa confusional de várias modas, alia-se ao ambíguo gestual de dândi e de vagabundo aventureiro, o que sublinha seu caráter de transgressor do herói modelar.

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A aparência frágil e humilde de Carlitos, em seus inúmeros papéis, esconde, por vezes, um caráter violento e inclemente. Contudo, predomina nele o espírito galhofeiro e astucioso, que utiliza a zombaria em seus movimentos - arma profícua que lhe é peculiar. Na busca da subsistência, Carlitos exerce as mais diversas profissões: faxineiro, marinheiro, caixeiro, bombeiro. Passeia pelos palcos, é dançarino e palhaço. Anda em apuros nos ringues, nas praias e nos parques. É vagabundo, boêmio, conde, imigrante e fugitivo. Tem uma vida de cachorro, mas é também pai ardoroso, soldado e rei. Com seu gestual mimético, Carlitos é capaz de enganar pessoas de prestígio e de poder. Assume a condição de abandonado, atropelado, esfomeado, sem dinheiro, mas sabe escapar, valendo-se de expedientes, para sanar a dor e a fome.

No mundo da "ilusão" chapliniana, a ambigüidade se dá como tônica constante. A indeterminação dos amores e a contradição das amizades manifestam-se em meio ao mundo oscilante e às liberações do orgiasmo, nas confusões de Carlitos pelo vaivém de suas aventuras. Do orgiasmo da vida improdutiva e do orgiasmo confusional, por vezes furioso, do personagem, infere-se a pluralidade de seus sentimentos, mas também, em contraponto, se reconhecem as opressões de uma sociedade laboriosa, cujo progressismo energético se esfuma frente à eficácia de um vagabundeio livre.

Carlitos, em sua dança de vida, coreografada em seus diferentes papéis, dribla as injunções sociais e encarna a tenacidade quixotesca, na sua eterna e inalcançável busca amorosa. Na sua existência estrangeira de personagem das margens, agiganta-se a seus olhos, em alienação narcísica, sua capacidade de ação. Em verdade, o desfile carnavalesco de seus diferentes desempenhos tem a repetição da retórica grotesca, atraindo o espectador para uma viagem sem palavras, onde a pantomima e a dança investem na humanização.

Portanto, o balé dos movimentos do personagem vai além da tradição bufonesca. Há nele uma perspectiva desalienante. O gestual ambíguo, repetitivo e hiperbólico de Carlitos, envolve surpresas e contrastes. É o espaço do de repente, às avessas, afastado do mundo real, em que a trapaça do pícaro e a utopia quixotesca, imantam o descodificador/espectador.

Uma outra estratégia de sedução encontra-se nas manifestações de sentimento pelo personagem, por meio da gestualidade do amor cortês e da solidariedade filantrópica. De fato, em Carlitos, o gestual eminentemente atributivo, o sombreado dos olhos tristes e negros, a pequenez do corpo, a ingenuidade do sorriso, emoldurado pela máscara branca, tudo desperta no espectador o desejo de proteger e até acalentar o personagem.

Carlitos, ao refuncionalizar produtivamente a picaresca tradicional, torna-se o neopícaro mais famoso do cinema. Supera o que o pícaro não fora capaz de realizar: extrapolar os estreitos limites da individualidade e promover um projeto político-social. Para tanto, ele se utiliza do gestual trapaceiro do pícaro e penetra nos interstícios sociais, meio pelo qual já se sinalizam as denúncias. Ao empunhar aquela bandeira "vermelha", Carlitos levanta também uma contestação ao sistema, como porta-voz dos fracos e oprimidos.

Porém, seu gesto picaresco de inovação avança, e Carlitos embarca no sonho utópico quixotesco, marcado pela realidade oscilante e pelo superinvestimento do eu, descambando, via de regra, para a solidão do retraimento.

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É enquanto neopícaro quixotesco que Carlitos soergue-se como perfeito anti-herói de nosso século. Realmente, na transcontextualização paródica, o personagem adquire traços da grandeza de Dom Quixote, que, segundo Mario González, pode ser definido como um ultra-herói, que se faz grotesco, ao ser colocado em contato com uma dimensão histórica, que lhe realça o anacronismo. É esta grandeza que faz reluzir as diferenças, no âmbito das semelhanças de sua gestualidade com a picaresca.

Ao vagabundear pelos filmes, Carlitos afronta a crescente mecanização, o burocratismo, a intervenção do Estado, em suma, todo um labirinto de poderes. São emparedamentos de técnicas de siglas, de regras, de discursos e de opiniões, entre os quais as resistências se esfumam e os rostos desaparecem.

Como se sabe, a rebelião envolve a proposta de uma genuína mudança de valores. De sua parte o espectador, na experiência vicária da frustração, patenteia essa necessidade de renovação. Aí, num primeiro momento, Carlitos se apresenta como o defensor do pobre e do proletário. Entretanto, logo se percebe que o que está em jogo não é o homem de tal ou qual sociedade, mas a totalidade da condição humana. Na derrocada do herói modelar, o anti-herói Carlitos sinaliza para a diluição do sujeito, em choque com um mundo inautêntico. Logo, o personagem Carlitos apresenta o tema da vida humana, do pobre homem golpeado na busca de agir e existir concretamente.

Com efeito, a silhueta de Carlitos, erguida na imensidão branca da neve no Alasca, em meio à tempestade, ao frio e à fome, no filme The Golden Rush ( A Corrida do Ouro) enfatiza a posição do homem perdido e desenraizado. Sua imagem solitária, emoldurada em preto e branco, aponta para a fatalidade que pesa sobre o homem, no tecido da sociedade moderna, onde um enredamento de poderes se faz destino. É, deste modo, que se considera o retorno do trágico.

Entretanto, neste retorno, já não existe lugar para heróis gloriosos, belos e cheios de virtudes ou para os deuses, a regerem seus destinos. A tragédia clássica que antes se fechava no alto, hoje se volta para o baixo.

Carlitos se integra na democratização do trágico que, em substituição ao herói modelar, põe em cena figuras insignificantes e os anti-heróis. Em oposição à solenidade clássica, o personagem circula num clima de derrisão que a estrutura da paródia oferece. Assim, Carlitos mergulha no infratrágico do cotidiano, do banal, do irrisório, ameaçado de aniquilamento, nas instâncias do trabalho produtivo e nas demais estruturas capitalistas.

No infratrágico dos dias atuais, a fatalidade não intervém, à maneira clássica, para provocar e punir. Um novo destino está ao lado do homem, amalgamado a ele. Em vez de uma tragédia movida a paixões, interesses e valores, surge uma antitragédia, engendrada no vazio - ausências, não-valores, non-sens ¾ , que tem sua fonte na derrota do que dera consistência à tragédia grega: caráter, transcendência e afirmação. Como reverso da tragédia clássica, o que conta não é o que se afirma, mas o que falta.

A figura paródica do vagabundo é, ainda, uma provocação à sociedade de felicidade, baseada no culto da higiene, da criança, do esporte. É como vagabundo que Carlitos se defronta também com um espaço, em que o homem se faz dependente dos objetos e da aparelhagem técnica.

É o império da máquina que ele interpela em Modern Times (Tempos Modernos), império este instalado como uma fatalidade que atravessaria todo o século XX. A sociedade de consumo, sob as imagens de renovados modelos trazidos pelos meios de comunicação, oferece oportunidade de possuir cada vez mais coisas, porém, ao mesmo tempo, torna o homem sempre mais seu escravo. Neste paradoxo está uma das faces da fatalidade do homem moderno: quanto mais produtos técnicos, menos o homem reconhece sua imagem e o testemunho de sua presença no mundo.

Vê-se então que, na satisfação da descoberta de novas máquinas, o homem encontraria sua infelicidade e sua alienação. Torna-se ele uma presa dos objetos, ao perder-se na massa, devorado por um mundo anônimo. O trágico da sociedade moderna é projeto de uma sociedade sem rosto. Revela-se, com efeito, a comunicação estereotipada, o mal-entendido, a falsa reconciliação. O homem exila-se de si mesmo, ao desfilar por um espaço sem legitimidade, invadido por falsas palavras e pela desenfreada proliferação de signos e de objetos.

Quando os poderes negam a autenticidade do homem, Carlitos rompe com a comunicação e se entrega ao ritualismo. Ele quer, com insistência, ser aquela ovelhinha negra que surge em meio às ovelhinhas brancas, indiciando os tempos modernos. Sua liberdade ocorre em contrapartida ao ritualismo conformista, quer dizer, contra a "adesão de carneiro" aos modelos impostos pela publicidade.

Como anti-herói do infratrágico, Carlitos configura a degradação humana na cena da vida, onde os riscos se encontram na sociedade hostil e nas pessoas que se estranham ou se devoram. Em verdade, às vésperas do século XXI, o homem continua sendo o lobo do homem, conforme o princípio de Hobbes, lembrado pelo autor Chaplin. Continua o conflito do "ser", em face às armadilhas da vida, num mundo que toca as fímbrias do absurdo, como proclama Camus.

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Por conseguinte, de maneira eficaz, por meio do jogo semiótico da paródia gestual, iluminam-se, com Carlitos, os caminhos da picaresca moderna - desnuda-se a situação infratrágica do homem, e, ao mesmo tempo, o projeto político-social do neopícaro banha-se de energia utópica. Se, por seus traços neopícaros, Carlitos critica o presente para mudar o futuro, com seus matizes quixotescos, timbra esta mudança como utopia possível. A tenacidade do gesto do neopícaro redimensiona-se com a esperança que impulsiona o homem à ação.

O personagem Carlitos, graças à energia agremiadora do orgiasmo, torna-se um símbolo de liberdade para várias gerações, emblematizado em retratos, posters, cartões. Sua imagem prolifera por todas as partes do mundo. A figura ambígua e errante de Carlitos mobiliza o impulso utópico no bojo da rebelião, sinalizando para a busca do ideal de fraternidade, ansiado por cada um de nós, o que nos induz, especularmente, a uma identificação com o personagem.

Ao refuncionalizar, produtivamente, o sonho de grandeza alienante do narcisismo secundário de Dom Quixote, Carlitos promove um dinamismo liberador do pensamento utópico que avoca o espectador, para uma tomada de consciência lúcida e despojada do sentido aventureiro.

Carlitos incorpora, pois, a antonomásia de "o paladino da esperança". Seus filmes atravessam quase todo um século e, no gestual da caricatura, pela força da paródia satírica, jorram luz sobre o que a "ordem do discurso" não permite que se desvele na linguagem verbal. Aliás, na peculiaridade de seu gesto, Carlitos põe em foco, a própria questão do "ser" na linguagem. Seu gesto pessoal enfrenta o gesto mecânico do ritualismo social, lembrando o espectador de que a luta por meio da linguagem sempre é possível a cada um, como prova de existência.

Enfim, grandezas e misérias do ser humano são vislumbradas, em meio à excelência das palhaçadas, consagrando-se Carlitos-Chaplin como "o homem mais engraçado do mundo". Nas entrelinhas das piruetas do personagem, há a sabedoria da tenacidade, a insinuação de que nunca se deve desistir diante dos obstáculos. Com Carlitos-Chaplin, na cumplicidade autor-personagem, ficam os trejeitos do homenzinho franzino, sem privilégios e sem direitos, que aposta na bravura e nas pulsões de esperança, em prol da luta pela afirmação do sujeito frente a um mundo inautêntico.

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